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A efetividade dos direitos humanos como fator de desenvolvimento nas fronteiras globalizadas do Mercosul

Revista Jurídica

 vol. 04, n°. 53, Curitiba, 2018. pp. 420-447 DOI: 10.6084/m9.figshare.7628966 

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A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO NAS FRONTEIRAS GLOBALIZADAS DO MERCOSUL

THE EFFECTIVENESS OF HUMAN RIGHTS AS A FRONTIER DEVELOPMENT FACTOR AT THE GLOBALIZED MERCOSUR BORDERS

  

 

VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA

Pós-Doutor em Direito pela UFSC, Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP, Professor Titular da UFMS, Professor da PUC/SP. Consultor ad hoc para CAPES/MEC, CNPq, FAPEMIG e FUNDECT/MS. Foi Secretário Executivo e Presidente do Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito – CONPEDI.

 

ELIO RICARDO CHADID DA SILVA

Mestrando em Direito (área de concentração: Direitos Humanos) pela UFMS. Pós- graduado (lato sensu) em Direito Tributário por LFG-SP/UNIDERP-MS e em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Damásio-SP.

 

RESUMO

No presente artigo aborda-se a problemática da efetividade dos direitos humanos como fator de desenvolvimento das fronteiras do Mercosul sob a perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e como o fenômeno da globalização alterou o tratamento das questões envolvendo a temática.Discute-se se a efetividade dos direitos humanos pode ser alcançada por paradigmas tradicionais, como aquele focado na soberania nacional exclusiva, ou se é possível atingir-se referida efetividade por meio de mecanismos de cooperação e integração internacionais, que podem ter como elemento estruturante a globalização. Para tanto, parte-se da definição de fronteira, antes e depois do fenômeno globalizante, e analisa-se se os direitos humanos das populações das fronteiras do Mercosul estão sendo observados e franqueados aos indivíduos, com o objetivo de promoção do desenvolvimento pleno daqueles. A pesquisa utiliza-se do método indutivo, e das técnicas descritiva, documental e bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional dos Direitos Humanos; Direito ao Desenvolvimento; Globalização; Fronteiras; Mercosul; Estado Constitucional Cooperativo.

 

 

ABSTRACT

This article deals with the question of the effectiveness of human rights as a factor in the development of Mercosur’s borders under the international human rights law, and how the phenomenon of globalization has changed the treatment involving the issue. It is discussed whether the effectiveness of human rights can beachieved by traditional paradigms, such as those focused on exclusive national sovereignty, or whether it is possible to achieve such effectiveness through international cooperation and integration mechanisms, whichmay have as a structuring element the globalization. In order to do so, it starts from the definition of the frontier,before and after the globalizing phenomenon, and it is analyzed if the human rights of the populations of the borders of the Mercosur are being observed and franked to the individuals, with the objective of promoting the full development of those. The research uses the inductive method, and the descriptive, documentary and bibliographic techniques.

KEYWORDS: International Human Rights Law; Right to Development; Globalization; Borders; Mercosur; Constitutional Cooperative State.

 

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por tema central a efetividade dos direitos humanos nas fronteiras como forma de garantir-se o desenvolvimento das populações que habitam essas regiões, a partir da perspectiva da globalização.

Com o crescente e irrefreável fenômeno da globalização, o mundo se viu conectado e interdependente em diversos temas e assuntos, sendo que um fato ocorrido em um determinado continente, pela atual fluidez da comunicação, imediatamente pode influenciar pessoas do outro lado do mundo, nãosendo diferente com as questões envolvendo os direitos humanos. Resta saber se a globalização, iniciada e imbricada por questões meramente econômicas, foi e/ou é capaz de propiciar o desenvolvimento pleno dos indivíduos, a partir da efetivação dos Direitos Humanos, mormente em relação às pessoas que vivem nospaíses subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e, especificamente, dos habitantes das regiões de fronteiras, que comumente são os primeiros a sentir os impactos da globalização.

Tendo como objetivo geral a verificação do desenvolvimento das regiões de fronteiras do Mercosul a partir do fenômeno da globalização e da efetividade dos Direitos Humanos, abordar-se-á os conceitos de globalização e suas consequências nas comunidades, bem como as definições de fronteiras antes e depois da globalização, para se chegar a uma conclusão acerca de como a efetividade (ou inefetividade) dos Direitos Humanos atinge as populações que habitam as regiões fronteiriças sul-americanas.

A relevância da pesquisa se mostra patente na medida em que a globalização trouxe mudanças de paradigmas nas relações entre os países e, também, entre os indivíduos, especialmente naqueles quevivem em regiões de fronteira. Por outro lado, é imprescindível se analisar se o referido fenômeno atua comoelemento facilitador do desenvolvimento dos indivíduos das regiões fronteiriças, ou, ao contrário, acaba por criar diferenças sociais entre aqueles indivíduos, incrementado a degradação dos menos favorecidos.

Com o intuito de responder à problemática proposta, o artigo dividir-se-á em quatro itens quecompõem o seu desenvolvimento. No primeiro item serão estudadas algumas características e conceitosacerca das fronteiras. No segundo, será abordado o tema da globalização e os impactos que ela traz às regiões de fronteiras. No terceiro tópico, analisar-se-á questões envolvendo o Direito ao Desenvolvimento e seus desdobramentos. Já no último item tratar-se-á doproblema da efetividade dos Direitos Humanos nas regiões fronteiriças do Mercosul, tendo em vista os paradigmas adotados nas relações entre os países sul-americanos.

O método utilizado para a confecção do trabalho é o indutivo, com manejo de técnica de pesquisa bibliográfica e documental acerca das questões que envolvam fronteiras, globalização e desenvolvimento. O artigo tem natureza descritiva, com o objetivo de buscar informações para futuras pesquisas acerca das temáticas propostas, mormente no que se refere à efetividade dos Direitos Humanos no âmbito do Mercosul e suas fronteiras.

2       FRONTEIRAS: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

A definição usual de fronteira passa pela ideia de borda, de limite, de espaço circunscrito por umabarreira, seja ela real ou imaginária. Geograficamente, fronteiras podem ter diversos significados, conotações e formas de serem estabelecidas ou vivenciadas.

O ser humano, desde a antiguidade, passou a estabelecer domínio sobre determinada porção de terras, defendendo-a como sua e de seu agrupamento contra possíveis invasores. Os limites desse espaço territorial já podem ser conceituados, rudimentarmente, de fronteiras.

Entretanto, com a evolução das organizações sociais, que se politizaram ao longo do tempo, a fronteira passou a ter outras denominações e diferenciações terminológicas.

Assim, é comum a distinção entre fronteiras e limites, por exemplo, sendo que o termo “‘fronteira’ refere-se a uma região ou faixa, enquanto o termo ‘limite’ está ligado a uma concepção imaginária”. Ainda no mesmo sentido, “A fronteira é mais abrangente e refere-se a uma região ou faixa do território situado emtorno dos limites internacionais. Limite é uma concepção precisa, linear e perfeitamente definida no terreno” (LARA ALEGRE, 2011, p.19).

Se tomarmos por base um conceito que envolva mais os aspectos sociais e culturais, tambémpodemos encontrar uma diferenciação entre os termos “fronteira” e “limites”, consoante consta em pesquisa elaborada por Luciani Coimbra de Carvalho, Ana Paula Correia de Araujo e Orsolina Fernandes da Conceição, nos termos que seguem:

Pensar a fronteira não é uma tarefa fácil. Existe uma variedade de situações fronteiriças que definem maior ou menor grau de integração. Entretanto, um aspecto deve ser considerado. Como menciona Machado (2010) fronteira é diferente de limite, sendo este último construído a partir dos Estados Nacionaispara representar barreiras jurídicas de diferenciação entre nacional e internacional, enquanto fronteiras sãoespaços que propõem integração em diferentes níveis. Um segundo aspecto interessante de abordagem é a visão que o senso comum tem de fronteira, vista, em geral, como um espaço de violência marcada pelo contrabando e pelo tráfico. Nogueira (2007) expõe isso ao trabalhar o conceito de fronteira percebida e fronteira vivida. Este autor revelou os diferentes olhares que se estabelecem sobre as fronteiras e como a perspectiva daqueles que estão de fora é sempre depreciativa (COIMBRA DE CARVALHO; ARAUJO; CONCEIÇÃO, 2016, p.168).

Ainda levando em conta as dimensões culturais e sociais, é possível dizer-se que a fronteira se constitui em espaço de relações entre os indivíduos que vivenciam o cotidiano do lugar, que ali constituemsuas famílias, suas residências, exercem seus ofícios e se inter-relacionam com as pessoas dascomunidades vizinhas como se não houvesse essa barreira denominada limite geográfico. Isso se traduz emum misto de união, harmonia e cooperação e, algumas vezes, também de conflitos, como pode ocorrer mesmo entre cidadãos dentro de uma mesma nação, entre vizinhos de rua, de bairros, e mesmo de cidades do mesmo país.

O diferencial é que, muitas vezes, as pessoas dessas comunidades fronteiriças, em seu dia-a-dia, não se prendem ao conceito jurídico de limite, aquele concebido pela lei como essencial para afirmação e aprimoramento da segurança nacional (no caso brasileiro, conforme determinado pela Lei Federal nº 6.634/1979), mas se relacionam e enxergam, no outro, dito estrangeiro, uma pessoa comum de seu meiosocial, sem os conceitos (e, às vezes, preconceitos) e amarras burocráticas estatais. Estes últimos conceitos, ao invés de unir, acabam repelindo o saudável e desejado contato e convívio cotidiano entre osindivíduos de nacionalidades diversas, muitas vezes separados apenas por um rio, uma rua, ou mesmo umalinha imaginária formal, estabelecida pelas leis nacionais e internacionais.

Porém, para fins desta pesquisa, que se ocupa da perquirição sobre a efetividade dos Direitos Humanos como fator de desenvolvimento das fronteiras do Mercosul, é conveniente ressaltar-se o lado negativo dessas regiões, que concebe o lugar como território que propicia, também, a prática dos mais diversos crimes transnacionais, como o tráfico internacional de drogas e de armas, o contrabando e homicídios relacionados aos delitos antes citados.

Nesse sentido, é conveniente destacar que o cenário de violência acima mencionado pode se dever justamente à ausência do Estado ou de ineficácia dos eventuais e parcos recursos destinados à proteção das comunidades fronteiriças, sendo que, no caso do Brasil e de seus países limítrofes, ao contrário do que ocorre nas regiões fronteiriças de outros países (como alguns europeus, por exemplo), e conforme salientaSouza Martins (2008), “a fronteira não se constitui necessariamente como espaço de modernização, mas simem lugar de recriação/renovação do arcaico, do trabalho escravo, do extermínio de indígenas”.

Tal contexto coincide com o número elevado de crimes transnacionais nas áreas fronteiriças, conforme apontam números oficiais da situação das fronteiras do Mercosul, em que as nações, quando não “comercializam” armas e drogas entre si, servem de rota de tráfico desses itens para outros mercados ilegais, como o dos Estados Unidos e a Europa.

Corrobora o cenário violento descrito nas linhas anteriores o trabalho realizado por Ana PaulaMartins Amaral, Luciane Pinho de Almeida e Eliane de Fátima Alcova, sobre outro delito não menos grave, que é o tráfico de pessoas e, especialmente, o tráfico de crianças nas fronteiras do Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, com países limítrofes (Bolívia e Paraguai), ocasião em que concluíram:

O Estado de Mato Grosso do Sul, de acordo com a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pentraf), faz parte dos estados brasileiros mais vulneráveis para essa prática criminosa, fazendo vítimas principalmente nas regiões de fronteira com o Paraguai e Bolívia, nas quais o translado de um país para outro, é considerado fácil. Pois além da fronteira fluvial – que é extensa – existe a fronteira seca entre esses dois países e o Estado deMato Grosso do Sul; e a questão do turismo de pesca. São necessários acordos internacionais nessa área e políticas de cooperação e amplitude de alcance e de controle, no tocante à proteção de crianças eadolescentes nessa região. Portanto, faz-se necessário diálogo permanente e parcerias nas ações de enfrentamento da temática entre os atores sociais dos países e o Estado fronteiriço de Mato Grosso do Sul (MARTINS AMARAL; ALMEIDA; ALCOVA, 2016, p. 62).

Seja como limites geográficos e/ou políticos, seja como espaço de interação entre os povos que vivem entre os dois lados da linha divisória entre nações, as fronteiras constituem objeto de estudos sociais fascinantes, e são terreno fértil para questões de direitos humanos.

Delineados os conceitos de fronteiras, e traçadas suas características mais marcantes, mormente nos países do Mercosul, passa-se, no item seguinte, à análise da globalização e de como o avanço desse fenômeno pode impactar as fronteiras e seus habitantes.

3       GLOBALIZAÇÃO: ASPECTOS GERAIS E SEUS IMPACTOS NAS REGIÕES DE FRONTEIRAS

Antes de adentrar na temática dos impactos da globalização nas regiões fronteiriças, convém alguma explanação sobre os conceitos e características do fenômeno globalizador.

A globalização, tal como se concebe atualmente, teve início no final do século XX, e expandiu-se exponencialmente no início do século XXI. Trata-se de um fenômeno que se iniciou com a ideia denecessidade de expansão mundial do modelo capitalista, após o fim da Guerra Fria, com o intuito de conquistar mercados ao redor do globo, com um forte viés dos conceitos da economia neoliberal. Porém, oprocesso globalizador não se limitou ao aspecto econômico-financeiro, mas também atingiu as esferas sociais, políticas, jurídicas, axiológicas, ambientais e culturais das comunidades de todo o planeta.

Conforme enunciado por Stiglitz (2003, p.46), o conceito de globalização refere-se, também, “à integração mais estreita dos países e dos povos que resultou da enorme redução dos custos de transporte e de comunicação e a destruição de barreiras artificiais à circulação transfronteiriça de mercadorias, serviços, capitais, conhecimentos e (em menor escala) pessoas”.

É fato notório, ainda, que o grande impulsor do processo de globalização atual foi e é o avanço dos meios tecnológicos de comunicação, em que milhares de megabytes navegam diária e simultaneamente para todos os lugares do mundo por sinais de satélites e cabos de fibra ótica submersos nos oceanos. Todo esse aparato tecnológico faz com que a informação circule pelas mídias digitais e redes sociais virtuais em tempo real, conectando cada vez mais pessoas de diferentes lugares, culturas, ideologias e condiçõessociais, num processo contínuo de integração e inter- relacionamentos jamais vistos ou sequer pensados no começo do século passado.

Contudo, ao mesmo tempo em que conectam as pessoas mundo afora, o que seria positivo, as inovações tecnológicas globalizadoras também são responsáveis por diversas formas de manipulação de massas pelas mídias digitais, a exemplo do que acontece no caso das denominadas fake news, que são, inclusive, apontadas como possíveis responsáveis pela influência de opinião de eleitores nas eleições presidenciais norte-americanas de 20161.

Como visto, a globalização não se refere apenas ao trânsito dos aspectos positivos de cada povo em constante inter-relacionamento. No campo político, por exemplo, a globalização pode se tornar um entrave para o exercício da própria democracia em uma nação menos abastada. Em determinadas situações,a soberania de alguns Estados acaba cedendo espaço a organismos supraestatais, especialmente àqueles incumbidos de traçar, impor e monitorar as diretivas da economia mundial, quais sejam, o Banco Mundial, aOrganização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Interacional (FMI), que “se constituyen em sujetos reguladores, arrogándose um progresivo poder sobre los Estados, sin control democrático alguno, obligando a aquellos a aplicar políticas neoliberales” (TORRADO, 2000, p. 52/53).2

No que se refere aos direitos humanos, as diferenças e desigualdades econômicas trazidas pelo processo globalizador são sentidas em maior grau pelos menos favorecidos, aumentando ainda mais oabismo existente entre as comunidades das nações mais ricas e aquelas que vivem em países onde se instalam ambientes em verdadeiras condições de miserabilidade.

1 Nesse sentido, o excerto de Genesini. Ainda no mesmo sentido, matéria publicada por Valor Econômico (2018).
2 […] se constituem em sujeitos reguladores, atribuindo-se um progressivo poder sobre os Estados, sem controle democrático algum, obrigado aqueles a aplicar políticas neoliberais (tradução nossa).

É indubitável, portanto, que a globalização tem duplo aspecto, contendo fatores negativos, ao nãoobservar questões básicas referentes aos direitos humanos, e fatores positivos, quando permite o compartilhamento de ideias e valores democráticos, conforme anota Paulo Bonavides, ao versar tema pertinente à globalização, à soberania e à Constituição:

Desde o artigo estampado há alguns anos no Jornal do Brasil, debaixo do título A globalização que nos interessa, temos reiteradamente sustentado o entendimento de que na época contemporânea há duas versões básicas de globalização: uma hegemônica e satânica, que é a globalização neoliberal do capitalismo sem pátria, sem fronteiras, sem escrúpulos; outra, a globalização da democracia, de caminhada lenta, continuamente obstaculizada e bloqueada ao longo de séculos. […] A globalização dos especuladores do câmbio e dos economistas da alienação não é, por conseguinte, a mesma dos constitucionalistas e dos juristas democráticos, porquanto ali se entrega o país, atado às estratégias da recolonização; aqui, ao revés, abre-se caminho à concretização universalista dos direitos fundamentais; ambas são de tendências opostas e estabelecem um regime de conflitos e contradições por haver inserção antagônica ou contraditória da segunda na primeira, quando se sabe que a globalização democrática ainda flutua grandemente em regiões teóricas, fora do mar territorial e das faixas adversas da globalização dos capitais. […] A globalização da democracia, por um paradoxo, é no campo teórico mais antiga que a globalização da economia. Seus resultados, todavia, são deveras minguados, com um máximo de promessas e um mínimo de concretude. Em suma, a globalização econômica é a recolonização, a globalização política, ao revés, a democracia; a globalização econômica representa o fim da soberania, aglobalização política o começo da concretização universal dos direitos do homem; a primeira é o Consenso de Washington, a segunda a Carta das Nações Unidas, cumprida e executada fora da bipolaridade da guerra fria ou da unipolaridade contemporânea da pax americana, que é a pax dos globalizadores; ali o pactum subjectionis com os fortes dominando e governando os fracos, aqui o contrato social que faz as Constituições livres e teoriza os direitos de quatro dimensões, como a liberdade, as prestações sociais, o desenvolvimento e a democracia (BONAVIDES, 2001, p. 135/137).

 

A partir das ideias acima veiculadas, é possível aferir-se, ainda, que independentemente dos benefícios ou das mazelas trazidas pela globalização, o fato é que determinadas regiões do globo sofrem primeiro os impactos do fenômeno globalizante em seu dia-a-dia, que são justamente as regiões localizadas nas fronteiras entre os países.

Não obstante haver diferenciação entre os conceitos de fronteira e limite, no começo do século XX tais conceitos em muito convergiam, uma vez que naquela época as informações políticas, culturais e sociais circulavam juntamente com as pessoas, sendo que bastava fechar as fronteiras entre dois países, por qualquer motivo, para que seperdesse a comunicação entre as comunidades daquelas nações. Todavia, transposta a barreira da comunicação do início do século passado, pelo significativo avanço das tecnologias de comunicação (telefonia, satélites, internet, etc.), as fronteiras adquiriram um conceito mais fluido, mais poroso, pois as informações, que são importantes marcos de transformações sociais, não mais necessitam viajar com o homem, mas trafegam de forma independente, pelos novos meios de tecnologia da informação e comunicação.

Dessa forma, observa-se a perda daquela função típica do limite geográfico e jurídico, até então coincidente com o conceito de fronteira vigente até meados do século passado, em que as comunidades fronteiriças, ao tentarem se aproximar dos nacionais do país vizinho para qualquer tipo de interação e integração, se viam limitadas pelo poder dos Estados, que, a pretexto de garantir e exercer suas soberanias, controlavam suas fronteiras por imposição de barreiras físicas, políticas, sociais, culturais e até mesmo ideológicas.

No mesmo sentido é o pensamento de Ana Isabel Burke de Lara Alegre sobre fronteiras vistas sob a perspectiva do fenômeno da globalização:

Efectivamente, as fronteiras nacionais, tais como existiam, estão a desaparecer, não apenas para ocomércio, capital e informação, mas também para ideias, normas, cultura e valores. As fronteiras nacionaisde linhas duras estão flexibilizadas no novo mapa-múndi, redefinem-se os espaços em várias direcções. A crise do Estado nacional torna-o incapaz de exercer, de modo soberano, funções clássicas de normatização, de coesão social. Com efeito, não apenas a regulamentação da vida económica, como da vida social, política e cultural não se sujeita, de modo crescente, ao controle exclusivo das políticasnacionais. Existe uma inadequação das fronteiras convencionais diante de nova realidade, que amplia os horizontes do conhecimento, da informação, da comunicação e da criatividade. Nesta era do homem globalizado, o conceito e a aplicação do termo “soberania” vêm sendo modificados, verificando-se, de alguma forma, uma tendência à limitação da soberania dos Estados nacionais. (LARA ALEGRE, 2011, p.22).

Feitas as considerações acerca de como a globalização pode afetar as fronteiras, é conveniente traçar um perfil mais específico sobre o direito ao desenvolvimento dos indivíduos que residem em taisregiões, a partir do ponto de vista da globalização, e tendo como objetivo a observância dos direitos humanos, do que se ocupará o próximo item deste trabalho.

4      O PROBLEMA DO DESENVOLVIMENTO NAS FRONTEIRAS SOB O ENFOQUE DOS DIREITOS HUMANOS

Previamente à análise do problema específico do desenvolvimento nas regiões fronteiriças, é imprescindível tecer algumas considerações sobre o próprio Direito ao Desenvolvimento, direito humano classificado como pertencente à terceira dimensão.

O Direito ao Desenvolvimento é mencionado pela primeira vez no artigo 55, da Carta das Nações Unidas de 1945, em que consta que as Nações Unidas favorecerão “níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social”.

Entretanto, somente em 1986 o direito estudado foi tratado em discussões específicas na Organização das Nações Unidas (ONU), quando a Assembleia Geral proclamou a “Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento”, a qual, em 10 artigos, dispõe sobre tal classe de direito, sendo conveniente sublinhar o disposto nos artigos 1º e 2º da Declaração, que estabelecem:

 

Artigo 1º: §1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual todapessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. §2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos à autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável à soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais. Artigo 2º: §1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento. §2. Todos os seres humanos têm responsabilidade pelo desenvolvimento, individual e coletivamente, levando-se em conta a necessidade de pleno respeito aos seus direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a comunidade, que sozinhos podem assegurar a realização livre e completa do serhumano e deveriam por isso promover e proteger uma ordem política, social e econômica apropriada para o desenvolvimento. §3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem- estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa, e no desenvolvimento e nadistribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.

A importância da Declaração de 1986 se deve ao fato de o documento retirar do Direito ao Desenvolvimento o antigo paradigma de direito dos Estados e colocar o ser humano como titular do direito, cotejando-o com outros direitos humanos, numa perspectiva de necessidade de aprimoramento de direitos nacionais em conjunto com a cooperação internacional.

Posteriormente, na Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, o Direito aoDesenvolvimento veio ganhou novo destaque no cenário internacional, uma vez que na ocasião se pôde observar a nítida evolução do reconhecimento do direito em tão pouco tempo (entre as Declarações de 1986 e 1993). Isso porque a segunda Declaração, além de reafirmar os elementos da primeira, promoveu a interligação entre desenvolvimento, democracia e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, além de chamar a atenção para aspectos financeiros que impedem o desenvolvimento das nações, como ressaltado em tese acadêmica:

A partir da Conferência de Viena, se entende que o desenvolvimento, a democracia, o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais são conceitos independentes que se reforçam mutuamente. Essaconferência também conclamou a comunidade internacional a aliviar a carga da dívida externa dos países em desenvolvimento; apelação por demais importante, já que se reconhece que a pobreza extrema e a exclusão social constituem um atentado contra a dignidade humana, além de constituírem num forte obstáculo ao desenvolvimento (SILVEIRA, 2006, p. 213).

Convém mencionar, também, que o Direito ao Desenvolvimento, muito embora se trate de Direito Humano de terceira dimensão, é aglutinador de todos os direitos humanos, haja vista que, para que serealize em sua íntegra, é imprescindível que os demais direitos, das outras gerações, também sejam efetivados. Assim, para que de fato haja desenvolvimento, é necessário garantir-se direitos de primeira dimensão, como o direito à vida e à liberdade, de segunda geração, como os direitos sociais (saúde, educação, segurança, trabalho, etc.), além de outros direitos de terceira dimensão, como o direito ao meio ambiente equilibrado e à paz.

Melhor dizendo, o Direito ao Desenvolvimento acaba por condensar o que se convencionou chamarde processo de dinamogenesis dos Direitos Humanos, segundo o qual a sociedade inicialmente reconhece ovalor fundante dos direitos humanos, que é a dignidade da pessoa humana. A partir daí, “[…] reconhecido como valioso, este valor impulsiona o reconhecimento jurídico, conferindo orientação e conteúdos novos (liberdade, igualdade, solidariedade, etc.), que expandirão o conceito de dignidade da pessoa.” (SILVEIRA; ROCASSOLANO, 2010, p.199).

No mesmo diapasão, Amartya Sen, ao dissertar sobre a correlação entre liberdade e desenvolvimento, coloca com muita propriedade a inter-relação entre tais postulados:

Os papéis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos, porém inter-relacionados, como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. Esses direitos, oportunidades e intitulamentos instrumentais possuem fortes encadeamentos entre si, que podem se dar em diferentes direções. O processo de desenvolvimento é crucialmente influenciado por essas inter- relações. Correspondendo a múltiplas liberdades inter-relacionadas, existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde, facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação etc. Essas instituições podem incorporar inciativas privadas além de disposições públicas, bem como estruturas mais mescladas, como organizações não governamentais e entidades cooperativas. (SEN, 2010, p.77).

Traçadas as linhas fundamentais sobre o Direito ao Desenvolvimento e suas principaiscaracterísticas no contexto mundial atual, cumpre agora trazer tais reflexões à realidade das fronteiras,especialmente daquelas situadas entre no Mercosul, sendo possível constatar-se que, por análise contextual, o quadro vislumbrado não é dos melhores.

Com efeito, as notícias veiculadas pela imprensa e, ainda, as informações estatísticas de órgãosoficiais e instituições não governamentais, dão conta de que os indicadores sociais nas fronteiras dos países do bloco sul-americano apresentam números desalentadores, com índices educacionais, de saúde, desegurança pública, de trabalho e outros que são compatíveis com as regiões mais violentas e menos desenvolvidas do planeta.

A assertiva contida no parágrafo anterior é atestada, por exemplo, por números de um estudo realizado no Brasil no ano de 2016, pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF)3, sediado no Estado  do Paraná, que aponta que as cidades do Estado de Mato Grosso do Sul que fazem fronteira com o Paraguai e a Bolívia estão: a) entre as com renda per capta mais baixas do país; b) com baixa empregabilidade; c) comaltos índices de evasão escolar ainda no ensino fundamental e; d) com números proporcionais de homicídiosmaiores do que os da cidade do Rio de Janeiro.

3 O Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), segundo o sítio eletrônico da entidade (http://www.idesf.org.br/), “é uma instituição sem fins lucrativos que objetiva a criação de mecanismos que promovam a igualdade e a integração entre as regiões de fronteira, o fortalecimento das relações políticas, sociais e econômicas e o combate aos problemas próprios destas regiões, por meio de estudos, ações e projetos, atuando através de parcerias públicas e privadas”. Tem sede em Foz do Iguaçu, Paraná.

Outro estudo do mesmo instituto, denominado “Diagnóstico do Desenvolvimento das cidades gêmeas do Brasil”, datado de 2018, que analisa o contexto social das cidades brasileiras que fazem fronteiracom municípios localizados em outros países, aponta que no ano de 2016 a aprovação no ensino médio, nas cidades gêmeas, foi de 77,4%, ante a média brasileira de 81,5% no mesmo período. A reprovação, por sua vez, correspondeu a 14,4% do total de alunos, enquanto no restante do Brasil a média ficou em 11,9%.

Em relação ao trabalho formal, o mesmo estudo apontou que a População Economicamente Ativa(PEA) das cidades gêmeas brasileiras correspondia, em 2015, a 23,55% da população daquelas cidades, enquanto que em 2016 tal índice era de 23,01%. Já no restante do Brasil, tais índices foram, respectivamente, de 36,15% e 34,53%, o que demonstra uma defasagem do nível empregatício daquelas cidades em relação ao índice nacional.

Há, ainda, notícias de ocorrência de trabalho em condição análoga à de escravo nas cidades fronteiriças, como a veiculada em site jornalístico sul-mato- grossense, que dá conta que, em outubro de 2017, o Ministério Público do Trabalho (MPT), em operação realizada na cidade de Corumbá/MS, resgatou um total de 11 (onze) trabalhadores que laboravam em estado degradante de saúde e higiene, sem um mínimo de dignidade humana (ZURUTUZ, 2017).

Com base em tais dados, é possível dizer-se que são necessários esforços dos governos e de determinados setores da sociedade (mormente os ligados à economia) de todos os países do Mercosul, com vistas à elaboração de políticas públicas conjuntas, com pautas que atendam às demandas sociais da região, para que o direito ao desenvolvimento tenha real efetividade. Essa efetividade é a temática tratada no item vindouro.

5     A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NAS REGIÕES FRONTEIRIÇAS DO MERCOSUL

 Delineadas as premissas de desenvolvimento nas regiões de fronteira do Mercosul sob a óticada globalização, cabe agora o questionamento sobre se os direitos humanos, neles englobado o Direito ao Desenvolvimento, estão sendo realmente efetivados, ou seja, garantidos às populações fronteiriçasdaquelas regiões.

Primeiramente, é de bom alvitre alguma explicação sobre qual conotação deve ser emprestada ao termo “efetividade” quando se fala em direitos humanos. A conceituação de referido termo, num primeiro momento, parece simples; porém, o termo pode assumir várias outras significações, como as de eficiência e eficácia, a depender do conteúdo do que está sendo analisado. Para Wilson José Gonçalves, o esclarecimento acerca do termo é fundamental:

[…] efetividade assume não só a ideia de produzir efeito, que pode ser positivo ou negativo, mas, inclui suasprojeções na concepção de eficiente e eficácia, que são: Eficiência = fazer certo a “coisa”, pois em se fazendo o contrário – fazer errado a “coisa”, está provocando perdas de tempo e recursos (retrabalho, desperdício), contrariando os princípios da eficiência. Outra compreensão para definir eficiência é ‘fazer mais com menos’, que traz embutido o senso de economia racional. Também é a capacidade de atingir ousuperar os padrões vigentes. Eficácia = ‘fazer a “coisa” certa’, pois em se fazendo o contrário, estar-se-á ‘fazendo a “coisa” errada’, a “coisa” que não deveria ter sido feita, “coisa” fora de lugar e hora, “coisa” a ser empreendida de forma diferente, em outras palavras: dever-se fazer outra “coisa” que não esta.Efetividade = “Difícil não é fazer o que é certo, é descobrir o que é certo fazer”. (Robert Henry Srour). Esta frase sintetiza todo o conceito de efetividade: ‘fazer a “coisa” que tem que ser feita’; sendo dos três, oconceito mais difícil de se entender, pois somente é percebida por pesquisas de opinião sobre ações que causam efeitos, impacto ou transformação de uma realidade que se modificou. Benefícios, efeitos ou impactos diretos ou indiretos do exercício do papel institucional de uma organização: (econômicos, sociais, ambientais e tecnológicos). Nota-se que eficiência é fazer certo a “coisa” e eficácia é fazer a “coisa” certa,enquanto efetividade “é descobrir o que é certo fazer” (GONÇALVES, 2016, p. 112/113, grifo do autor).

Esclarecidas algumas das facetas que o conceito de efetividade pode assumir, para a presente pesquisa também é necessário acrescentar-se que o termo “efetividade”, em relação aos direitos humanos, inclui ainda a ideia de garantia, no sentido de que um direito só é realmente efetivo quando dotado de meiospara garantí-lo, para dar-lhe suporte para que seja observado e respeitado por todos, e imponível contra quem quer que seja.

E, nesse ponto, é importante esclarecer que, nada obstante os direitos humanos estarem em avançado estado de discussões internacionais sobre suas bases e fundamentos doutrinários e teóricos, chegando-se até mesmo a debater-se acerca da existência de uma quarta ou quinta dimensão de Direitos Humanos (alargando-se, portanto, a classificação que os acomoda apenas em três dimensões clássicas),há que se atentar para o fato de que muitas vezes, em muitos lugares, nem os Direitos da primeira geração (como o direito à vida, por exemplo) estão sendo garantidos, de forma efetiva (eficaz e eficiente), às pessoas.Norberto Bobbio, em obra clássica, chama a atenção para este fato em relação à necessidade de garantir-se, para todos, os Direitos dos Homens, de forma contundente:

[…] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político.Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garantí-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados” (BOBBIO, 1992,p.17).

A ideia de necessidade de garantia dos direitos humanos é compartilhada também por Jesús Lima Torrado, que, ao se referir à problemática tendo em conta o papel das organizações intergovernamentais, esclarece:

Las organizaciones intergubernamentales -por su parte- no han entrado todavía en las cuestiones de fondode la nueva problemática de los derechos humanos surgida a raíz del fenómeno de la globalización, especialmente en lo que concierne a la cuestión hoy prioritaria: la de las garantías de los derechos. (TORRADO, 2000, p.21).4

Pondera-se, ainda, que para que se tenha um cenário favorável ao respeito e efetividade dos direitos humanos, é indubitável que estes devem ser dinâmicos, isto é, devem acompanhar os movimentos da sociedade, numa relação intercultural, para que não sejam delineados apenas em conceitos abstratos,perdendo, portanto, sua

4 As organizações intergovernamentais – por sua vez – não têm entrado, todavia, nas questões de fundo da nova problemática dos direitos humanos surgida na raiz do fenômeno da globalização, especialmente no que concerne à questão hoje prioritária: a dasgarantias dos direitos. (tradução nossa) concretude na vida das pessoas, o que faria com que se tornassem meras Declarações (como advertiu Bobbio), mas sem força cogente em relação àquelas relações humanas que pretendiam regular e proteger, quando necessário.

A permanecer a abstração dos direitos humanos, eles tendem a ser menos abrangentes, o que faz com que forças hegemônicas (como a da política externa norte-americana, por exemplo), ainda que quase imperceptivelmente, ditem regras contrárias a determinados direitos humanos que deveriam ser mais observados em determinados tipos de comunidades, que demandam maior cuidado em relação a determinados tipos de direitos (geralmente, os direitos sociais, prestacionais). Em igual sentido posiciona-se Boaventura de Sousa Santos:

[…] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para ele, para poderem operar como forma de cosmopolitismo insurgente, como globalização contra hegemônica, os direitos humanos têm que ser reconceitualizados como interculturais. (SOUSA SANTOS, 2006, p. 441/442).

Como se percebe pela análise dos itens antecedentes deste trabalho, os direitos humanos não estão sendo franqueados, de forma efetiva, às populações residentes nas fronteiras do Mercosul. A partir dessa constatação, o que poderia ser feito para que essa realidade seja transformada, seja modificada, paraque os direitos mais básicos, mais comezinhos, sejam postos de fato à disposição das comunidades que habitam as fronteiras sul-americanas?

A resposta está, quiçá, na mudança de paradigma de organização dos Estados, consoante se verificará a seguir.

 

5 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DO CONCEITO DE SOBERANIA EXTRAÍDO DA ACEPÇÃO CLASSICA DA TEORIA GERAL DO ESTADO

Como referenciado, o problema da ausência de efetividade dos direitos humanos nas fronteiras do Mercosul pode estar no paradigma adotado para a organização dos Estados, que conduz tanto as relações internas daqueles com seus cidadãos, quanto as relações externas entre os países do bloco sul-americano. E, a depender do referencialde organização estatal adotado pelos membros do Mercosul, este pode contribuir, sobremaneira, para que sejam criados entraves para que se alcance a efetiva integração tal como propalada no ato de criação dobloco (o Tratado de Assunção, de 1991).

Um desses entraves é a visão de Estado calcada na acepção clássica da Teoria Geral do Estado, em que a soberania estatal se apresenta de forma exacerbada, quase absoluta, e justifica quase toda ação do governo, que a utiliza como justificativa para sua atuação, principalmente quando aquela se dá em desconformidade com atos ou normas internacionais.

Nessa visão mais hermética, a soberania do Estado não encontraria qualquer limite dentro do próprioEstado da qual emana. Seria um poder único, não contrastável por qualquer outro ente político dentro de um mesmo território. Conforme essa visão minimalista de soberania, esta bastaria a si própria, e regularia as relações de poder dentro de uma determinada ordem jurídica nacional. O problema surge nas ocasiões em que a visão em questão é tomada como parâmetro para se sobrepor às normas de direito internacional, quando, então, o direito nacional teria como optar pelo “reconhecimento” ou não das normas internacionais em relação a seu território e cidadãos. Kelsen aponta os percalços de ordens jurídicas que adotam esse pensamento:

Essa é uma consequência inevitável da teoria do reconhecimento baseada na hipótese de primazia doDireito Nacional. A maioria dos expoentes desses pareceres, porém, não os desenvolve até as suas últimas consequências. Eles concebem o mundo do Direito como uma quantidade de ordens jurídicas nacionais isoladas, cada uma delas soberana e cada uma delas contendo o Direito internacional como parte. Por motivos já explicados, esse pluralismo jurídico é logicamente impossível. Com base nesse parecer, existiriam, incidentemente, tantas ordens jurídicas internacionais diferentes quanto há Estados ou ordens jurídicas nacionais. É, porém, logicamente possível que diferentes teóricos interpretem o mundo do Direito partindo da soberania de diferentes Estados. Cada teórico pode pressupor a soberania do seu próprio Estado, isto é, pode aceitar a hipótese da primazia da sua própria ordem jurídica nacional. Então, ele tem de considerar o Direito internacional que estabelece as relações com as ordens jurídicas dos outros Estados e essas ordens jurídicas nacionais como parte da ordem jurídica do seu próprio Estado, concebido como uma ordem jurídica universal. Isso significa que o quadro do mundo do Direito variaria de acordo com o Estado que fosse tomado como base da interpretação. Dentro de cada um desses sistemas, erigidos sobre a hipótese da primazia do Direito nacional, apenas um Estado é soberano, mas esse Estado nunca seria o mesmo sequer em dois desses sistemas (KELSEN, 2000, p.548).

O conceito de soberania, pelo conteúdo político que carrega, pode servir de base para justificação do nacionalismo exacerbado, e não raras vezes é utilizado em discursos inflamados, principalmente quando se quer validar norma nacional em detrimento de norma internacional. Dallari chama atenção para a questãoao se referir ao conceito de soberania:

[…] Por isso mesmo, deu margem ao aparecimento de uma tão farta bibliografia e à formulação de uma tal multiplicidade de teorias que acabou sendo prejudicado, tornando-se cada vez menos preciso e dando margem a todas as distorções ditadas pela conveniência. Essas distorções têm sido uma consequência, sobretudo, da significação política do conceito, que se encontra na base de seu nascimento e que é inseparável dele, apesar de todo o esforço, relativamente bem-sucedido, para discipliná-lo juridicamente. Atualmente, porém, não obstante a imprecisão ou as controvérsias, a expressão soberania vem sendo largamente empregada na teoria e na prática, às vezes até mesmo para justificar as posições de duas partes opostas num conflito, cada uma alegando defender sua soberania. Daí a observação feita por Kaplan e Katzenbach, de que não há no Direito Internacional um termo mais embaraçoso que soberania,parecendo-lhes que o seu uso impreciso e indisciplinado talvez se deva ao fato de haver-se tornado um “símbolo altamente emocional”, amplamente utilizado para conquistar simpatias em face das tendências nacionalistas que vêm marcando nossa época. (DALLARI, 2009, p.74).

 

Em outras palavras, os Estados que entendem sua soberania fundamentada única eexclusivamente no conceito arcaico de soberania nacional, tendem a utilizá-lo de maneira a repelir qualquer tentativa de integração e cooperação internacional, a pretexto de estarem em defesa de sua independência e, também, de sua soberania, que seria incontrastável.

Assim, dentro desse contexto de Estado soberano, quase absoluto, é muito difícil encontrar-se espaço para o diálogo entre as nações, ainda que seja para a resolução de problemas comuns, como sãoaqueles referentes a questões de direitos humanos nas fronteiras entre os países. O senso comum aponta, obviamente, para uma solução conjunta, que, além de ser mais eficiente, também seria mais viável economicamente.

Contudo, quando o Estado se fecha dentro de seu território, com a justificativa única de preservar sua soberania, a problemática referente aos direitos humanos tende a sofrer duros golpes, pois tal país, além de não cooperar e se integrar com seus vizinhos, muitas vezes se recusa a fazer parte (de forma efetiva, material, e não apenas formal) e a dar cumprimento a resoluções e decisões tomadas no âmbito de organismos internacionais supraestatais (como aquelas oriundas da OEA, do Mercosul, dentre outras).

Quando esse tipo de isolamento dito “soberano” ocorre em um determinado país, geralmente os direitos humanos não encontram a efetividade que deles se espera naquele território, havendo flagrantes violações referentes a tais Direitos, tendo em vista que, por conta da inflexibilidade das nações que adotamtal concepção de Estado, muitos obstáculos são colocados para que se fiscalize e se denuncie a inobservância das mínimas liberdades públicas. Essa conduta, consequentemente, impede o desenvolvimento em seus dois aspectos, ou seja, em relação aos indivíduos, bem como em relação à nação como um todo.

 

5.2 A PROBLEMÁTICA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS SOB A PERSPECTIVA DA INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAIS

Tendo em conta que a efetividade dos direitos humanos no âmbito das fronteiras do Mercosul parece não encontrar melhor resposta na concepção clássica e arcaica de Estado, fulcrada na soberaniaestanque de determinada nação, uma das alternativas viáveis para que se encontrem resoluções mais adequadas à problemática seja a cooperação entre as nações, que funciona como instrumento eficaz de integração entre elas.

Se os problemas relativos aos direitos humanos (dentre os quais o Direito ao Desenvolvimento) são comuns nas regiões de fronteiras entre as nações, principalmente depois do processo de globalização, pode-se presumir, até instintivamente, que a lógica leva à busca de soluções de maneira conjunta, por necessária cooperação de todas as partes interessadas na resolução das questões que lhe são comuns.

A proposta de solução da problemática pela cooperação internacional é, inclusive, disposição expressa do artigo 10, quarto parágrafo, da Declaração e Programa de Ação de Viena, promulgada na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que estabelece:

Artigo 10. […] Os Estados devem cooperar uns com os outros para garantir o desenvolvimento, e eliminar obstáculos ao mesmo. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional eficaz, visando à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento.

Muitos pesquisadores concordam que a provável resolução dessas questões tem por base a cooperação mútua entre as nações. Na cooperação, parcela da soberania de cada Estado é mitigada, é cedida em favor da busca de resolução dos problemas comuns dos países, principalmente no que tange a questões de direitos humanos. Tal resolução é buscada por via de ações conjuntas entre os países ou a partir de atuação de entidades supraestatais, como a ONU, a OEA, a CIDH, o Mercosul, etc.. Sobre a matéria, Jesús Lima Torrado pondera:

Algún autor ha sugerido, sin embargo, que la acción de defensa de los derechos humanos frente a laglobalización podría venir también determinada desde la propia estructura del Estado. ‘La transformación deeste rechazo en la reconstrucción de nuevas formas de control social sobre las nuevas formas de capitalismo, globalizado e informatizado, requiere que el sistema político y las instituciones estatales procesen las demandas de los movimientos sociales. La capacidad o incapacidad del Estado para afrontar las lógicas conflictivas del capitalismo global, los movimientos sociales basados en la identidad y los movimientos defensivos de los trabajadores y consumidores, condicionará en buena medida el futuro de la sociedad en el siglo XXI’. Pero ¿acaso el Estado se encuentra en situación de poder responder a esas demandas sociales, una vez que ha perdido y va perdiendo parcelas de soberanía? No habrá acaso que buscar mejor la solución -si sequiere utilizar la vía institucional- através de la acción de organismos internacionales supraestatales? (TORRADO, 2000, p.22). 5

 

5 Alguns autores sugerem, no entanto, que a ação de defesa dos direitos humanos frente à globalização poderia vir também determinada a partir da estrutura do Estado. “A transformação dessa rejeição na reconstrução de novas formas de controle social sobre as novas formas de capitalismo, globalizado e informatizado, exige que o sistema político e as instituições estatais processem as reivindicações dos movimentos sociais. A capacidade ou incapacidade do Estado para resolver a lógica conflituosa do capitalismo global, os movimentos sociais com base na identidade e movimentos defensivos dos trabalhadores e dos consumidores, em grande parte, vai determinar o futuro da sociedade no século XXI ”. Mas será que o Estado está em uma posição para responder a essas demandas sociais, uma vez que perdeu e está perdendo parcelas de soberania? Não terá, por acaso, que buscar melhor a solução – caso queira se utilizar a via institucional – através da ação de organizações internacionais supraestatais? (tradução nossa)

No mesmo sentido destaca-se também o posicionamento de Ana Isabel Burke de Lara Alegre a respeito do assunto:

A globalização implica o surgimento de inúmeras organizações intergovernamentais de cooperação e integração, tanto no âmbito mundial, como, por exemplo, a União Europeia e a liga Árabe, quanto no sub-regional, como o Mercosul e o Nafta. Em todas, mas em diferentes graus, os Estados- Membros cedem parte de sua soberania nacional a fim de estabelecer e aplicar políticas comuns, o que implica que passa a haver menos poder nacional e mais poder supranacional. Há o fortalecimento das instituições e empresas, das organizações internacionais e supranacionais, e daquelas de carácter de integração regional. Existetambém o surgir contínuo e sucessivo de regras como tratados, convenções, acordos e instrumentos jurídicos internacionais que, em geral, fazem com que o Estado tenha o seu poder de algum modo restringido. (LARA ALEGRE, 2011, p.22).

 

A forma de implementação desta mudança de paradigma, de um conceito de Estados soberanos arcaicos para Estados que busquem a cooperação internacional efetiva entre os países do Mercosul, pode se dar a partir dos conceitos e princípios estabelecidos no que se denomina de Estado Constitucional Cooperativo, enunciado por Peter Häberle, nos seguintes termos:

 

Estado Constitucional Cooperativo é o Estado que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade internacional de políticas de paz. O Estado Constitucional Cooperativo é a resposta interna do Estado Constitucional ocidental livre e democrático à mudança no Direito Internacional e ao seu desafio que levou a formas de cooperação. O Estado Constitucional aberto somente pode existir, a longo prazo, como Estado cooperativo, ou não é um Estado ‘Constitucional’. Abertura para fora se chama cooperação. Hoje o Estado Constitucional e o Direito Internacional transformam-se em conjunto. O Direito Constitucional não começa onde cessa o Direito Internacional. Também é válido o contrário, ou seja, o Direito Internacional não termina onde começa o Direito Constitucional. Os cruzamentos e as ações recíprocas são por demais intensivas para que se dê a esta forma externa de complementariedade umaideia exata. O resultado é o ‘Direito comum de cooperação’. O Estado Constitucional Cooperativo não conhece alternativas de uma ‘primazia’ do Direito Constitucional ou do Direito Internacional; ele consideratão seriamente o observado efeito recíproco entre as relações externas ou Direito Internacional, e a ordemconstitucional interna (nacional), que partes do Direito Internacional e do direito constitucional interno crescem juntas num todo. (HÄBERLE, 2007, p.4 e 10)..

 

Outra teoria igualmente viável, e que poderia ser utilizada singularmente ou em conjunto com a tratada anteriormente, é a do Transconstitucionalismo, idealizada por Marcelo Neves, que vislumbra a existência de problemas comuns a duas ou mais nações:

O fato é que, mais recentemente, com a maior integração da sociedade mundial, esses problemas tornaram-se insuscetíveis de serem tratados por uma única ordem jurídica estatal no âmbito do respectivo território. Cada vez mais, problemas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação de poder tornam-se concomitantemente relevantes para mais de uma ordem jurídica, muitas vezes não estatais, que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução. Isso implica uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns. O direitoconstitucional, nesse sentido, embora tenha a sua base originária no Estado, dele se emancipa, nãoprecisamente porque surgiu uma multidão de novas Constituições, mas sim tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos, prevalecendo, em muitos casos, contra a orientação das respectivas ordens estatais. Em face dessa situação, introduzo o conceito de transconstitucionalismo. Não se trata, portanto, de constitucionalismo internacional, transnacional, supranacional, estatal ou local. O conceito aponta justamente para o desenvolvimento de problemas jurídicos que perpassam os diversos tipos de ordens jurídicas. Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envolver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na busca desua solução. (NEVES, 2018, p. XXI).

  

Em outra passagem, o referido autor, apresentando seu trabalho, destaca a problemática envolvendo mais de duas ordens jurídicas, e a inter-relaciona com questões de direitos humanos:

[…] passarei a considerar o transconstitucionalismo não apenas entre duas ordens jurídicas, da mesmaespécie ou de tipos diferentes, mas também entre uma pluralidade de ordens jurídicas em um sistema mundial de níveis múltiplos, caracterizado por hierarquias entrelaçadas. Também como base em casosjurídicos de natureza constitucional, serão discutidas situações em que diversas ordens estão envolvidas, simultaneamente, na solução de um caso. A esse respeito, terá relevância particular o transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos humanos, envolvendo uma multiplicidade de ordens jurídicas. (NEVES, 2018, p. XXIV).

O fato é que, independentemente da doutrina ou referencial teórico que se adote, o caminhoindicado parece ser mesmo o da cooperação mútua entre os atores internacionais do Mercosul, para que o Direito ao Desenvolvimento, principalmente nas regiões de fronteiras, torne-se efetivo e seja garantidoinstrumentalmente a todos os cidadãos fronteiriços.

CONCLUSÃO

No desenvolvimento do presente trabalho abordou-se a problemática da efetividade dos Direitos Humanos nas fronteiras do Mercosul a partir da perspectiva da globalização e com vistas à observância do Direito Humano ao Desenvolvimento, o qual, nas ocasiões em que é garantido aos indivíduos, acaba poratestar que vários dos outros direitos humanos também o estão sendo.

Para tanto, pesquisou-se sobre os conceitos e características de fronteiras, a diferenciação entresua definição e o conceito de limites, além das questões materiais e formais envolvendo tais regiões.

Estudou-se, ainda, alguns aspectos da globalização e como tal fenômeno, baseado inicialmente no capitalismo com perspectiva neoliberal, acabou por criar verdadeiros abismos entre os países menos favorecidos e aqueles de tendência hegemônica, com distorções e violações relativas à observância dos direitos humanos. Por outro lado, pôde-se constatar que a globalização também propiciou a inter-relação cultural, política e social entre os países do bloco sul-americano, sendo certo que os efeitos e impactos do processo globalizante, sejam eles negativos ou positivos, são invariavelmente percebidos e sentidos, em primeiro lugar, pelas populações que habitam as fronteiras existentes entre os países do bloco regional.

Foi objeto de pesquisa também a questão relativa ao Desenvolvimento nas fronteiras do Mercosul, sob a ótica dos direitos humanos, tendo por base as Declarações da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento, bem como observações doutrinárias e dados de pesquisas de organização não governamental sobre o contexto situacional do desenvolvimento nas regiões de fronteira do Brasil com seus países vizinhos. Nesse ponto, constatou-se que muitos dos direitos humanos que seriam propícios para o desenvolvimento, não só dos indivíduos como também da região, não estão sendo postos à disposição das comunidades fronteiriças.

Posteriormente, tratou-se da questão da efetividade dos direitos humanos nas regiões fronteiriças do Mercosul, partindo-se dos conceitos associados ao próprio termo “efetividade”, e, posteriormente, pontuando-se sobre a necessidade premente de, enfim, direcionar a atenção da comunidade internacional para a efetivação dos direitos humanos, haja vista que o maior problema não seria o de apenas enunciar tais direitos, mas sim o de garantí-los e franqueá-los às populações que deles mais necessitam, sob pena de se tornarem meros discursos vazios.

Perquiriu-se, ainda, se o conceito arcaico de Estado, calcado na soberania exacerbada, não seria verdadeiro entrave à consecução da real efetividade dos direitos humanos. No tópico subsequente, verificou-se que tanto a ONU quanto os estudiosos do assunto são unânimes ao afirmar que a possível resolução da problemática requer um esforço de cooperação e integração mútuas entre os países, por meio de teorias e princípios diversos, como os apregoados pelas doutrinas do Estado Constitucional Cooperativo e do Transconsitucionalismo, que podem ser fomentadas no Mercosul, para propiciar-se, por exemplo, a formação de uma comunidade latino-americana de nações, conforme consta no artigo 4º, parágrafo único, da Constituição do Brasil.

Assim, pode-se considerar que os problemas relacionados aos direitos humanos não podem ser pensados de forma estanque, hermética, apenas no âmbito interno dos países do Mercosul. Isso porque, a partir da globalização, as questões relacionadas a tais direitos não se encerram apenas dentro do território de uma determinada nação, mas se comunicam e têm consequências, positivas ou negativas, por toda aAmérica do Sul e, principalmente, nas regiões das fronteiras, as quais, pela proximidade geográfica, culturale social, tendem a sentir por primeiro e de forma mais contundente os efeitos do processo globalizador.

Portanto, ao se pensar em efetividade e concretude do Direito ao Desenvolvimento nas fronteiras doMercosul, é mister apropriar-se de paradigmas que possam resolver a problemática de forma conglobante, ou seja, de forma a abarcar e resolver os problemas dos países do bloco de forma homogênea e concomitante, o que pode vir a ser alcançado pela aplicação dos princípios da cooperação e integração internacional, e por intermédio de efetiva participação e coordenação de instituições interestatais.

 

 

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2021-05-13T11:49:48-03:00

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