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Segurança Pública e a Possibilidade Legal de Ampliação da Competência da Guarda Civil Municipal

Segurança Pública e a Possibilidade Legal de Ampliação da Competência da Guarda Civil Municipal

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VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA
Pós-Doutor pela UFSC, Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP, Professor de Direito Inter- nacional Público na PUC/SP, Coordenador do Mestrado e Diretor do Centro de Pesquisa em Direito da Uninove, onde também é Professor de Direitos Humanos, Ex-Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – Conpedi (2009-2013).

MARIA ANGÉLICA CHICHERA DOS SANTOS
Mestranda em Direito na Uninove, Especialista em Direito pela FDDJ, Graduada em Direito pela Univem, Professora dos cursos preparatórios para concursos públicos da Central de Con- cursos.

 

 

Data de Submissão: 08.07.2015
Data da Decisão Editorial: 14.01.2016
Data da Comunicação ao Autor: 14.01.2016

 

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo o estudo das questões que envolvem a segurança pública e a atuação dos entes federativos responsáveis pela sua promoção, visando a responder: é correto manter a prestação de segurança pública nas mãos exclusivamente dos Estados-membros, face ao aumento da violência e da criminalidade nos grandes e médios municípios brasileiros, uma vez que o assunto se tornou de interesse local? Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando-se do método dedutivo.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança pública; autonomia dos municípios; ampliação da competência; guar- da civil municipal; assunto de interesse local.

ABSTRACT: This paper’s objective is the study of the aspects related to public security and the action of federative entities responsible for its promotion, so as to assess if it is correct to maintain the go- vernance of public security exclusively as a competence of State-member, given the raise of violence and criminality in the big and medium Brazilian cities. This is a descriptive and exploratory study, so will be developed based on bibliographic and historical research, using the deductive method.

KEYWORDS: Public security; autonomy of the cities; enlargement of competence; city civil guard; matter of local interest.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Segurança pública; 1.1 Conceito; 1.2 Finalidade; 1.3 Segurança pública como direito fundamental; 2 Competências constitucionais e a segurança pública; 2.1 A competência da União na perspectiva atual da segurança pública; 2.2 A competência dos estados na perspectiva atual da segurança pública; 2.3 A competência dos municípios na perspectiva atual da segurança pública; 3 Necessária ampliação da competência da função da guarda civil municipal em determinados municípios; 3.1 Autonomia dos municípios conferida pela Constituição Federal de 1988;

3.2 Competência dos municípios para legislar sobre assunto de interesse local; 3.3 Municípios e o novo paradigma na segurança pública; Conclusão; Referências.

 

INTRODUÇÃO

A violência é hoje um problema latente nos municípios brasileiros. Ela provoca, dessa forma, um considerável aumento de insegurança na população, que, por sua vez, encontra-se vivendo no anseio de soluções locais eficazes no combate à criminalidade e à violência.

Atualmente, diante do quadro alarmante de violência de alguns municípios, investigaremos a possibilidade de ampliação da competência da guarda civil municipal no sentido do exercício efetivo e complementar de segurança pública. Analisaremos, em um primeiro momento, o conceito, a finalidade de segurança pública e a segurança pública como direito fundamental.

Outro ponto importante que abordaremos, em um segundo momento, diz respeito às competências constitucionais dos entes federativos, sob o ponto de vista da perspectiva atual da segurança pública. Enfrentaremos, deste modo, a possibilidade uma partilha na prestação de segurança pública para a popula- ção. Dessa forma, buscam-se elucidar os parâmetros constitucionais de atuação dos membros da federação responsáveis pela promoção da segurança pública.

Por fim, examinaremos a possibilidade de ampliação da competência da guarda civil municipal, centralizando a atenção na competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. Assim, para melhor compreensão do tema, esmiuçaremos o desdobramento da autonomia do município conferida pela Constituição Federal de 1988, bem como a ampliação da violência em diversos municípios brasileiros, e responderemos em que medida se pode alcançar essa ampliação da competência da guarda civil municipal, vez que esse processo encontra limites nas competências previamente definidas pela Constituição Federal. Para tanto, nos valeremos do referencial autonomista dos municípios.

Frente às considerações e aos aspectos expostos nas linhas precedentes, o presente artigo tem por escopo o estudo das questões que envolvem a segurança pública e a atuação dos entes federativos responsáveis pela sua promoção, visando a responder se é possível manter a prestação de segurança pública nas mãos exclusivamente dos Estados-membros face ao aumento da violência e da criminalidade nos grandes e médios municípios brasileiros, uma vez que o assunto se tornou de interesse local.

Importante esclarecer que o propósito da ampliação da competência da guarda civil municipal está em consolidar um policiamento comunitário com medidas eficazes na prevenção da violência e da criminalidade, por meio de políticas públicas de segurança e ordem pública, fazendo com que, dessa forma, haja um avanço nas suas atribuições e competências, sempre com respaldo no trabalho cada vez mais próximo da população local.

Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando-se, por vezes, do método dedutivo.

 

1 SEGURANÇA PÚBLICA

1.1 CONCEITO

De acordo com o texto constitucional vigente, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e deve ser exercida com o fim de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares

Do dispositivo constitucional citado, é possível constatar que a segurança pública é uma garantia de proteção e estabilidade de situação ou pessoa, que incumbe ao Estado, por meio dos serviços prestados pelos órgãos referidos ao final do caput do art. 144.

Conforme esclarece Valter Foleto Santin, o vocábulo “segurança” referido nos arts. 5º e 6º da Constituição da República está relacionado à “segurança pública”, ou como se pode observar:

O termo “segurança” constante do preâmbulo e dos arts. 5º, caput, e 6º da Constituição Federal deve ser interpretado como relativo à segurança pública, predominantemente de caráter difuso, que visa a tutelar a manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144), componente importante para a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º).1

Dessa forma, quando a Constituição enuncia, no art. 5º, caput, que “to- dos são iguais perante a lei […] garantindo-se […] a inviolabilidade do direito à […] segurança […]”, e no art. 6º, caput, que “são direitos sociais a educação, […] a segurança […]”, está no texto constitucional referindo-se à segurança pública.

Assim, a segurança pública consiste em um instrumento que visa a coibir qualquer forma de perturbação do bem-estar social, seja por meio dos aparatos policiais de segurança preventiva ou repressiva, seja por meio de políticas so- ciais que buscam educar os cidadãos para uma vida pacífica.

1 SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 81.

Corroborando com esse entendimento, José Afondo da Silva diz que se- gurança pública é a “manutenção da ordem pública interna” e “uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas”2.
O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, define a segurança pública como

uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei.3

Conclui-se, portanto, que, tradicionalmente, o conceito de segurança pública está relacionado à proteção e garantia da “ordem pública”.

 

1.2 FINALIDADE

A segurança pública tem por finalidade a preservação da ordem pública.
Observa-se, em nosso país, que não há uma definição legal expressa e inequívoca da expressão ordem pública. Dessa forma, importante se faz analisar o alcance jurídico da expressão nos conceitos doutrinários.

Ury Lopes Júnior afirma que o conceito de ordem pública é “vago, impreciso, indeterminado e despido de qualquer referencial semântico”4.

Diogo Figueiredo trata da ordem pública como um estado de paz social experimentado pela população e que decorre do grau de garantia individual ou coletiva que o Poder Público propicia. Para o autor, a ordem pública envolve, “além das garantias de segurança, tranquilidade e salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica independentemente de manifestações visíveis de desordem”5.

Castanho de Carvalho também chama a atenção para a imprecisão e largueza do conceito de ordem pública, afirmando tratar-se de “um daqueles conceitos jurídicos indeterminados”6-7.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 709.
3 Disponível em: <http://www.nj.gov.br/senasp/Institucional/inst_conceitos.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013.
4 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 205.
5 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito administrativo da ordem pública. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 81.                6 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição. Princípios constitucionais do processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 217.
7 Ibidem, p. 219, registra que “[…] é preciso desmistificar o conceito de ordem pública, espancar dele qualquer ranço que possa fazer lembrar seu uso nocivo e construir uma noção democrática, progressista e o máximo possível imune a manipulação. Sem dúvidas, essa valoração positiva pode ser extraída da Constituição e redunda na convicção de que a ordem pública é a afirmação da proteção de direitos fundamentais, que incumbe aos poderes públicos como dever constitucional”.

Consoante José Afonso da Silva, ordem pública “será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes”8.

Enfim, tem-se a ordem pública como a “convivência ordenada, segura, pacífica e equilibrada”9, sendo geralmente apontada com limitadora do exercício de direitos.

1.3 SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

No título dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição estabele- ce, no art. 5º, caput, a garantia do direito à segurança10. Dessa forma, ao lado dos direitos à vida, à propriedade, à igualdade e à liberdade, a segurança, por configurar uma condição essencial de uma vida digna, alcançou também o status de direito fundamental, assegurado aos brasileiros e aos estrangeiros em nosso país.

A segurança pública também é tratada pela Constituição Federal como direito social, no caput de seu art. 6º11. Assim, a partir dos dispositivos constitucionais citados, constata-se que a segurança pública é espécie do gênero segurança, devendo ser compreendida, portanto, como direito fundamental.

A preocupação governamental, para com o tema, começa a apresentar resultados estruturantes quando o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp 12, incentiva os integrantes dos órgãos de segurança pública a especializarem-se, junto a instituições de ensino superior, em “segurança pública e direitos humanos”, por meio da concessão de bolsas de estudos integrais, entre outros instrumentos.

Nesse sentido, Valter Foleto Santin destaca que é inquestionável o direito do cidadão de viver em uma sociedade de harmonia, em que vigoram a paz e a tranquilidade e, por isso, afirma que “o direito à segurança pública é uma garantia fundamental do cidadão”13.

Dessa forma, a segurança pública e os direitos humanos devem caminhar juntos para que o cidadão possa desfrutar do bem-estar social.

8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 635.
9 BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varialle et al. 5. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 851.
10 “Art. 5º, caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].”
11 “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
12 A Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp, criada pelo Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, foi decorrente de transformação da antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – Seplanseg. A Seplanseg foi criada no Governo Fernando Henrique Cardoso através da MP 813, de 1º de janeiro de 1995 – mais tarde Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998.

2 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E A SEGURANÇA PÚBLICA

2.1 A COMPETÊNCIA DA UNIÃO NA PERSPECTIVA ATUAL DA SEGURANÇA PÚBLICA

A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos au- tônomos, nos termos da Constituição Federal.

O Estado brasileiro não se confunde com a União. A União é a ordem central que goza de autonomia; já o estado brasileiro é soberano. No plano internacional, a República Federativa do Brasil é representada pela União, que também intervém nos Estados-membros nas situações admitidas pela Constituição Federal

As competências da União podem ser (a) exclusivas (art. 21), marcadas pela particularidade da indelegabilidade; (b) privativas (art. 22), que admite, por meio de lei complementar, delegação aos estados para legislar sobre questões específicas das matérias de interesse geral; (c) comuns (art. 23), que abrangem os quatro entes federativos; e (d) concorrentes (art. 24), que compreende o al- cance à União, aos Estados e ao Distrito Federal.

Na perspectiva atual da segurança pública, a União tem a sua disposição as polícias federal, rodoviária federal e ferroviária federal. A competência para legislar sobre as funções, atribuições dessas policias é privativa da União, nos termos do art. 22, XXII, da Constituição Federal. No mesmo sentido, a compe- tência administrativa também é de alçada da União, nos termos dos arts. 21, XXII, 144, §§ 1º, 2º, § 3º.

Enfim, a União tem o dever, juntamente com os Estados, o Distrito Fede- ral e os Municípios, de exercer sua competência legislativa e sua capacidade administrativa para garantir o serviço de segurança pública em condições de igualdade para toda a população, com a finalidade de buscar a paz, a harmonia e a tranquilidade para todas as pessoas.

13 SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 86.

2.2 A COMPETÊNCIA DOS ESTADOS NA PERSPECTIVA ATUAL DA SEGURANÇA PÚBLICA NA ATUAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública é compe- tência exclusiva dos Estados-membros, por meio das polícias militares, art. 144, § 5º, da CF. Embora a lei complementar federal possa autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas sobre a polícia militar e outros assuntos pe- culiares, de forma a suplementar as normas gerais, de âmbito federal, a compe- tência administrativa é privativa dos estados.

Para as polícias civis, a Constituição Federal previu a competência con- corrente da União, dos Estados e do Distrito Federal14 para legislar sobre or- ganização, garantias, direitos e deveres de tal órgão. Portanto, cabe à União criar normas gerais, ao passo que aos estados compete suplementar a legislação federal, traçando suas especificidades, e, em não havendo norma geral editada pela União, os estados exercerão a competência legislativa plena até a superve- niência de lei federal. No mesmo sentido do art. 144, § 6º, da CF, administrati- vamente o comando é do governo estadual. Assim, as polícias civis exercem as funções de polícia judiciária, exceto as de competência da União, e as apura- ções de infrações penais não militares.

Por fim, observa-se que as polícias civis, as militares e os corpos de bom- beiros militares estão subordinados aos governadores dos Estados. Importante ressaltar que, por serem as polícias militares e os corpos de bombeiros militares forças auxiliares e da reserva do exército, em alguns casos (Estado de Defesa, Estado de Sítio), o comando poderá passar para a presidência da República.

2.3 A COMPETÊNCIA DOS MINICÍPIOS NA PERSPECTIVA ATUAL DA SEGURANÇA PÚBLICA

O art. 30, I, da Constituição Federal disciplina a competência dos muni- cípios para legislar sobre assunto de interesse local.

Importante se faz definir o que se entende por interesse local. Assim, se- gundo Michel Temer, a expressão interesse local teria o mesmo significado da expressão peculiar interesse, expressa na Constituição Federal de 1967, o qual significa interesse predominante 15.

Na sequência, apresenta o art. 30, II, a competência suplementar dos municípios à legislação federal e à estadual no que couber. Nota-se, ainda, que referida competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade.

14 O Distrito Federal tem basicamente as mesmas competências legislativas e administrativas dos Estados, conforme arts. 24, 144, §§ 5º, 6º, no âmbito da segurança pública.
15 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 106.

Ademais, o art. 30, III a IX, encerra com a exposição da competência privativa dos municípios.

Nesse sentido, a Constituição, no art. 144, refere-se aos municípios ape- nas para lhes atribuir competência para constituírem guardas municipais desti- nadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. A guarda municipal tem, portanto, a função de guarda patrimonial. Não se trata de órgão policial. Desse modo, não é atribuição das guardas municipais, segundo a Constituição Fede- ral, realizar nem investigação criminal nem policiamento ostensivo.

Além dessa prerrogativa de instituírem guardas municipais, os municí- pios podem atuar na segurança pública por meio da imposição de restrições administrativas a direitos e liberdades. O município pode, por exemplo, de- limitar o horário de funcionamento de bares e restaurantes, ou os locais da venda de bebidas alcoólicas. Tais restrições, de caráter administrativo, exercem importante função na segurança pública, prevenindo a prática de delitos. Na região metropolitana de São Paulo, mais de 20 (vinte) municípios já editaram leis restringindo o horário de funcionamento de bares 16-17.

Esse tipo de medida pode produzir efeitos mais significativos que medi- das de caráter penal ou policial, embora também produzam impactos econômi- cos e culturais que devem ser considerados.

3 NECESSÁRIA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA FUNÇÃO DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL EM DETERMINADOS MUNICÍPIOS

3.1 AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS CONFERIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O art. 18 da Constituição Federal incluiu o município na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, tornando-o ente fe- derativo dotado de autonomia própria, materializada por sua capacidade de auto-organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação.

16 Na região metropolitana de São Paulo, até março de 2006, leis restringindo o horário de funcionamento de bares foram editadas nos seguintes municípios: Barueri, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Francisco Morato, Ferraz de Vasconcelos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Jandira, Juquitiba, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Poá, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, Suzano, Taboão da Serra, Vargem Grande Paulista.
17 Do mesmo modo, ao legislar sobre proteção do consumidor, suplementando a legislação federal e estadual, o município é competente, por exemplo, para estabelecer normas de garantia da segurança de usuários de serviços bancários, o que tem direta repercussão no campo da segurança pública. Cf. STF, AI-AgRg 347.717, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 05.08.2005: “O município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinadas a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras)”.

Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles aduz que os seguintes princípios asseguram a mínima autonomia municipal: a) poder de auto-organização (ela- boração de lei orgânica própria); b) poder de autogoverno (eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores); c) poder normativo próprio ou autolegis- lação (elaboração de leis municipais dentro dos limites de atuação traçados pela Constituição da República); d) poder de autoadministração (administração própria para criar, manter e prestar os serviços de interesse local, bem como le- gislar sobre os tributos e suas rendas)18. Segundo Geraldo Ataliba, a autonomia municipal brasileira é um elemento natural, anterior à própria autonomia dos Estados federados, pois os aglomerados humanos se formaram em redor de uma capela regendo a vida daqueles em seu entorno mediante os usos e costumes frente às necessidades locais 19.

Dessa forma, verifica-se, no Brasil, com a explicitação feita na Constitui- ção Federal de 1988, uma terceira esfera de autonomia que altera radicalmente a tradição dualista do federalismo brasileiro, majorando-se, nesse momento, uma nova dimensão básica 20.

Nessa ótica, afirma Sandra Silva que:

Não se pode olvidar que, na pirâmide do Estado Federado, a base, o bloco mo- dular é o município, pois é nele que reside a convivência obrigatória dos indiví- duos. É nessa pequena célula que as pessoas exercem os seus direitos e cumprem suas obrigações; é onde se resolvem os problemas individuais e coletivos. Está no município a escola da democracia. É no município que se cuida do meio ambiente; é nele que se removem os detritos industriais e hospitalares e se re- colhe o lixo doméstico; é nele que as pessoas transitam de casa para o trabalho nas ruas e avenidas, nos carros, coletivos e variados meios de transporte. É no município que os serviços públicos são prestados diretamente ao cidadão; é nele que os indivíduos nascem e morrem. Para regular tão extenso âmbito de fatores e relações, outorgou a Constituição de 1988, ao legislador local, a competência legislativa sobre a vida da comunidade, voltada às suas próprias peculiaridades, através da edição de normas dotadas de validez para esse ordenamento local. A expressão haurida do texto constitucional tem, como sobejamente dito e repeti- do, a limitar seu âmbito de aplicação, a regra constitucional da competência, sem cuja interpretação sistemática destinaria toda análise do tema ao fracasso. Isto porque, no âmbito geral, enquanto a competência federal privativa é numerada pela Constituição de 1988, a estadual é residual e a municipal é expressa, mas
não numerada, gravitando em torno do conceito operacional de interesse local.21

O poder dos municípios passa de uma política abstrata e frágil historica- mente para uma juridicialidade institucional, de máxima autonomia, ao se reco-nhecer, no art. 29 da Constituição Federal, seu regimento por lei orgânica, vota- da por quórum qualificado de dois terços dos membros da Câmara Municipal, garantia essa que impõe aos aplicadores de princípios e regras constitucionais uma visão hermenêutica muito mais ampla no tocante à defesa e sustentação.

18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 128.
19 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
20 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 357.
21 SILVA, Sandra Krieger Gonçalves. O município na Constituição Federal de 88. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 107-108.

Nesse sentido, Roque Antônio Carrazza salienta que a autonomia muni- cipal “é a faculdade que a pessoa política município tem, de dentro do círculo de competência pré-traçada pela Constituição, organizar, sem interferências, seu governo e estabelecer, sponte própria, suas normas jurídicas”22-23.

Importante registrar que a violação à autonomia do município por parte dos Estados-membros onde aquele se situa dá ensejo a intervenção federal, na forma do art. 34, V, b, e VII, c, da Constituição Federal. Ademais, a violação da autonomia municipal por parte da União enseja o controle de constitucionali- dade abstrato ou concreto pelo Poder Judiciário.

Desse modo, conforme Vladmir Oliveira da Silveira:

O princípio da autonomia municipal, além de conferir uma parcela de poder ao ente político município, consequentemente, também o imunizou dos caprichos e vontades, tanto dos Estados (e Distrito Federal), como da União. Portanto, pode-se dizer que o princípio, ora analisado, exprime um desejo da Constituição, qual seja, garantir uma participação especial do município dentro da nossa federação. E é justamente por isso que o art. 34, VII, c, da Constituição Federal afirma que “a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: […] c) autonomia municipal.24

Assim, com as profundas e substanciais inovações introduzidas pela Constituição Federal de 1988 nos arts. 29 e 30, os municípios compõem a fe- deração e são autônomos; portanto, conforme preconiza André Ramos Tavares, “há, agora, três esferas de governo diversas, compartilhando o mesmo território e povo: a federal, a estadual e a municipal”25.

Nesse sentido, fica evidente o reconhecimento formal dos municípios en- quanto membros da federação, o que implicou necessariamente a reestrutura- ção do poder e, por via de consequência, a afirmação do federalismo brasileiro calcado na descentralização político-administrativa, na repartição de compe- tências e no avanço do municipalismo pró-interesse local.

22 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 149.
23 Vale lembrar que, muito embora, reconheça a autonomia municipal, Roque Carrazza não considera os municípios como parte da federação brasileira, tendo em vista que os municípios não fazem parte da formação da vontade jurídica nacional e sua autonomia não faz parte da lista das cláusulas pétreas da Constituição Federal. Ibidem, p. 150.
24 SILVEIRA, Vladmir Oliveira. Direito constitucional tributário – O princípio da autonomia municipal e os assuntos de interesse local na Constituição Federal de 1988. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 61, p. 212-227, 2005.
25 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1114.

3.2 COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL

O art. 30 da Constituição Federal assegura as matérias de competên- cia do município, definindo, deste modo, sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local e competência suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

Quanto à competência para legislar sobre assuntos de interesse local, vale ressaltar o que se entende por interesse local. Assim, interesse local diz res- peito às peculiaridades e necessidades ínsitas à localidade. Nesse sentido, Vla- dmir Oliveira da Silveira esclarece que “interesse local pode definir-se intuitiva- mente como aqueles que não são preponderantemente estaduais ou federais”26.

Importante lembrar que, sobre assuntos de interesse local, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre a competência do município para legislar sobre assuntos de interesse local na Súmula de Jurisprudência Predominante nº 645: “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”.

Dessa forma, verifica-se que os municípios têm autonomia para legislar sobre assuntos de seu interesse local; logo, possuem competência preferencial. Assim, não há necessidade de promulgação de lei federal para que se definam quais serão os assuntos de interesse local, uma vez que a Constituição Federal de 1988 assegurou autonomia para que os municípios decidam quais são os assuntos de seu interesse.

Ademais, a referida norma é uma regra de aplicabilidade imediata, não necessitando de regulamentação para sua aplicação. No entanto, não se pode negar que uma legislação municipal dispondo sobre o tema apresenta-se po- sitiva, sendo verdade que sua ausência não inviabiliza a aplicação do texto constitucional.

Diante disso, os municípios, independentemente de qualquer regula- mentação, gozam de competência absoluta e preferencial para legislar sobre assunto de interesse local.

Nesse sentido, salienta Vladmir Oliveira da Silveira:

Absoluta porque não pode ser mitigada nem por emenda constitucional (Poder Reformador), tendo em vista tratar-se de irradiação da forma federativa do Estado brasileiro, nem muito menos por legislação infraconstitucional que implicaria na invasão da competência municipal e, consequentemente, violação frontal do pacto federativo. Por outro lado, também é preferencial, pois existem hipóteses em que a competência de forma genérica não será municipal, porém, no caso concreto, configura-se como tal e exatamente por essa razão torna-se aconselhável que cada município estabeleça os seus assuntos de interesse local, inclusive de forma dinâmica, ou seja, modificando-os de tempo em tempo, tendo em vista a sua natureza que, para alguns, pode ser transitória. 27

26 SILVEIRA, Vladmir Oliveira. Direito constitucional tributário – O princípio da autonomia municipal e os assuntos de interesse local na Constituição Federal de 1988. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 61, p. 212-227, 2005.

Assim, importante ressaltar que, por mais que os municípios não estabeleçam quais são os seus assuntos de interesse local, isso não implica perda da competência, uma vez que, como já foi dito, a competência para assunto de interesse local é norma de eficácia plena, conferida pelo poder constituinte, sendo dispensável norma complementar ou regulamentadora 28.

Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 assegura ao município au- tonomia para regulamentar assunto local de seu interesse, assegurando-lhe tam- bém a regência dos seus próprios negócios.
Diante disso, volta-se ao problema originário proposto pelo presente artigo: será que é factível manter a prestação de segurança pública nas mãos exclusivamente dos Estados-membros face ao aumento da violência e da criminalidade nos grandes e médios municípios brasileiros, uma vez que o assunto se tornou de interesse local.

3.3 MUNICÍPIOS E O NOVO PARADIGMA NA SEGURANÇA PÚBLICA

A violência e a criminalidade assumem em determinados municípios a condição de assunto de interesse local. Para melhor compreensão, vale ilustrar com a alarmante violência e criminalidade evidenciada em alguns municípios.

O Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americano (Cebela) divulgou, em 18 de julho de 2013, o Mapa da Violência de 2013, o qual revelou as capitais mais violentas. Entre elas, estão Maceió, a primeira da lista com 94,5 homicí- dios por 100 mil habitantes; logo depois vem João Pessoa, com taxa de 71,6; Vitória, com 60,7; Salvador, com 59,6; Recife, com 47,8. A cidade de São Paulo apresentou taxa de 10,4 e está na 25ª colocação29.

O Cebela constatou que são taxas excessivas a média nacional (20.4) e a dos níveis considerados toleráveis pela ONU, que giram em torno de 10 homicídios por 100 mil.

27 SILVEIRA, Vladmir Oliveira. Direito constitucional tributário – O princípio da autonomia municipal e os assuntos de interesse local na Constituição Federal de 1988. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 61, p. 212-227, 2005.
28 Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “[…] a imprecisão ou fluidez das palavras constitucionais não lhes retira a imediata aplicabilidade dentro do campo induvidoso de sua significação. Supor a necessidade de lei para delimitar este campo implicaria outorgar a lei mais força que à Constituição, pois deixaria sem resposta a seguinte pergunta: de onde a lei sacou a base significativa para dispor do modo em que o fez, ao regular o alcance do preceito constitucional? É puramente ideológico e não científica a tese que faz depender de lei a fixação dos poderes ou direitos configurados em termos de algo fluído”.
29 Disponível em: <http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2013/07/mapa-da-violencia-2013-aponta-maceio como-capital-mais-violenta.html>. Acesso em: 5 maio 2014.

Os dados sobre violência nesses municípios alertam para um aumento de crimes de latrocínio, estupro e homicídio. Assim, vejamos, por exemplo, sobre a violência na cidade de São Paulo.

O aumento dos crimes violentos na cidade de São Paulo foi impulsio- nado pelo alto índice de latrocínio, que cresceu 55% no primeiro trimestre de 2013 em relação às primeiras estatísticas trimestrais de 2012. Totalizou, durante o ano de 2013, 385 vítimas de latrocínio30.

Os estupros em São Paulo lideraram com 1113 vítimas de janeiro até abril de 2013, o que revela o aumento de 20,8% em relação ao primeiro qua- drimestre de 201231.

Já o número total de vítimas de homicídio doloso em São Paulo teve uma queda de 9,14%, pois, no ano de 2013, foram registrados 4.733 mortes contra 5.209 em 201232.

Assim, conforme os dados do Cebela a respeito do alto índice de crimina- lidade e violência nas cidades de Maceió, João Pessoa, Vitória, Salvador, Recife e São Paulo, entende-se que, nessas cidades, a prestação de segurança pública como forma de prevenir a violência e a criminalidade não se resume, única e exclusivamente, nas mãos dos Estados-membros, uma vez que, para esses mu- nicípios, constitui autêntico assunto de interesse local a disciplina de prevenção e redução da violência e da criminalidade, como preocupação fundamental para a qualidade de vida dos seus cidadãos.

Diante disso, pode-se concluir que, para determinados municípios, a cri- minalidade e a violência constituem assuntos de interesse local, enquanto que, para outros, não.

No art. 144 da Constituição Federal, os municípios são excluídos, não lhes competindo responsabilidade e autoridade direta em matéria de segurança pública33. Determinada omissão, sobretudo, não se sustenta diante da realida- de atual brasileira, que trouxe para alguns municípios a responsabilidade pela segurança pública em seus assuntos de interesse local que afetam o dia a dia da sociedade.

Nesse sentido, salienta Luiz Eduardo Soares:

[…] A desvalorização constitucional colide com a realidade, na medida em que os municípios têm assumido crescente protagonismo também na segurança, mas o fazem ao desabrigo da lei, sobretudo quando criam guardas à imagem e semelhança das polícias militares. […] Os municípios, com sua capacidade de intervenção capilar e sua permeabilidade à participação social, constituem a unidade de gestão mais adequada ao tratamento das questões mais complexas, que afetam o dia a dia da sociedade, a partir de dinâmicas sempre específicas e processos locais.34

30 Disponível em: <http://www.spressosp.com.br/2013/05/25/sp-indices-de-violencia-continuam-subindo/>. Acesso em: 5 maio 2014.
31 Ibidem.
32 Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/sp247/128331/Viol%C3%AAncia-em-SP-sobe-n%C2% BA-de-latroc%C3%ADnios-em-2013.htm>. Acesso em: 5 maio 2014.
33 SOARES, Luiz Eduardo. Arquitetura institucional da segurança pública no Brasil: três propostas de reforma constitucional. Disponível em: <http://www.luizeduardosoares.com/?p=997>. Acesso em: 5 maio 2014.

 

Por fim, conclui-se que manter a prestação de segurança pública nas mãos única e exclusivamente dos Estados-membros não se justifica diante da realidade atual de alguns municípios brasileiros a respeito da criminalidade e da violência.

Assim, propõe-se que haja uma interpretação extensiva do art. 144,
§ 8º, da Constituição Federal, a fim de possibilitar a ampliação da competência da guarda civil municipal, fazendo a prestação de segurança pública tornar-se quase exclusiva na atuação dos Estados-membros, permitindo, desse modo, que alguns municípios, face ao aumento da violência e da criminalidade, passem a atuar de maneira ostensiva, uma vez que o assunto tornou-se de interesse local.

CONCLUSÃO

A escalada da violência e criminalidade nos últimos anos vem conhecen- do um acentuado crescimento em determinados municípios brasileiros, provo- cando, dessa forma, um considerável aumento de insegurança na população, que, por sua vez, encontra-se vivendo no anseio de soluções locais eficazes.

O art. 18 da Constituição Federal incluiu o município na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, tornando-o ente fe- derativo dotado de autonomia própria, materializada por sua capacidade de auto-organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação.

Com as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, fica evi- dente o reconhecimento formal dos municípios enquanto membros da federa- ção, o que implicou, necessariamente, a reestruturação do poder e, por via de consequência, a afirmação do federalismo brasileiro calcado na descentrali- zação político-administrativa, na repartição de competências e no avanço do municipalismo pró-interesse local.

Dessa forma, verifica-se que os municípios têm autonomia para legislar sobre assuntos de seu interesse local; logo, possuem competência preferencial, uma vez que não há necessidade de promulgação de lei federal para que se definam quais serão os assuntos de interesse local. Sendo assim, a violência e a criminalidade assumem, em determinados municípios, a condição de assunto de interesse local.

34 Ibidem.

O federalismo adotado pela Constituição Federal de 1988 é baseado na harmonização dos entes federativos, uma vez que estes devem cooperar entre si para a realização dos objetivos públicos. A União, por sua vez, possui o de- ver de cooperar com os Estados-membros para auxiliá-los no alcance de suas metas no campo da segurança pública. Assim, seria adequada a ampliação das atividades das guardas civis municipais, para a realização de policiamento os- tensivo, em conjunto com a polícia estadual.

No art. 144 da Constituição Federal, os municípios são excluídos, não lhes competindo qualquer responsabilidade e atuação em matéria de seguran- ça. Determinada exclusão, sobretudo, não se sustenta diante da realidade atual brasileira, que trouxe para alguns municípios a responsabilidade pela segurança pública em seus assuntos de interesse local que afetam o dia a dia da sociedade.

Por fim, conclui-se que manter a prestação de segurança pública nas mãos única e exclusivamente dos Estados-membros não se justifica diante da realidade atual de alguns municípios brasileiros a respeito da criminalidade e da violência.

Assim, propõe-se que haja uma interpretação extensiva do art. 144,
§ 8º, da Constituição Federal, a fim de possibilitar a ampliação da competência da guarda civil municipal, fazendo a prestação de segurança pública tornar-se quase exclusiva na atuação dos Estados-membros, permitindo, desse modo, que alguns municípios, face ao aumento da violência e da criminalidade, passem a atuar de maneira ostensiva, uma vez que o assunto tornou-se de interesse local.

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2021-05-12T11:36:33-03:00

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