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COP16 debateu financiamento para projetos de restauração de ecossistemas

Para especialistas, mecanismos financeiros e políticas precisam ser desenvolvidos em conjunto pelos setores público e privado e devem levar em conta não apenas a necessidade de reverter a destruição dos biomas, mas também a inclusão das comunidades que neles vivem. Tema também estará em destaque nas COPs do Clima e da Desertificação

Por Fábio de Castro, especial para o WWF-Brasil

Os desafios do financiamento para a restauração de ecossistemas foram tema de debates durante a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), que foi encerrada na semana passada, em Cali, na Colômbia. Um dos momentos foi no painel “Iniciativa 20×20: Mecanismos financeiros e políticas inovadoras para a conservação e restauração da biodiversidade na América Latina”, realizado no dia 31/10. Por ser tão central, essa questão também estará em destaque na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), será realizada entre 11 e 22 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão. E na COP de Combate à Desertificação, em dezembro, na Arábia Saudita.

Para os especialistas que participaram do debate em Cali, a crise ambiental em que o planeta está mergulhado é tão extensa que as iniciativas de conservação da natureza não bastam: é preciso restaurar ecossistemas que já sofreram degradação. Para isso, é preciso desenvolver modelos de financiamento de projetos de restauração que não apenas sejam capazes de reverter a destruição da natureza, mas que também sejam inclusivos, beneficiando as pessoas que vivem nos territórios.

Nesse contexto, os projetos de restauração inclusiva no Cerrado brasileiro foram levados à discussão por Taruhim Quadros, analista de Conservação no WWF-Brasil. Ela destacou a dupla importância – no aspecto natural e social – da savana mais biodiversa do mundo, que abriga 5% das espécies do planeta, ocupa 23% do território brasileiro e é o lar de 25 milhões de pessoas, mas já perdeu 50% de sua cobertura vegetal original.

“O Cerrado é uma área chave, com uma enorme diversidade de formações vegetais, como campos, bosques e savanas, que é também um símbolo da cultura brasileira, já que ali vivem povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que dependem do território e o protegem. Eles são os grandes representantes do território e é por isso que estamos sempre nos articulando com eles. A cadeia de restauração é uma oportunidade econômica importante para eles”, afirmou Taruhim.

As comunidades são parte da governança do território e têm um papel central nos projetos de restauração do WWF-Brasil e da Araticum, uma rede colaborativa da qual o WWF-Brasil faz parte da coordenação. A Araticum atua para promover e monitorar a restauração ecológica no Cerrado, envolvendo os coletores de sementes nativas e diversos outros atores da restauração, e funcionando também como uma ferramenta de inclusão social.

“Nós acreditamos muito nessas experiências de base comunitárias e as incentivamos. No início, sempre precisamos de fundos para dar condições de capacitação aos coletores, mas uma vez que fazemos isso, eles se organizam com uma força muito grande e dominam as condições técnicas e a infraestrutura para coleta e comercialização das sementes. Os recursos obtidos com essa comercialização voltam inteiramente para eles”, explicou Taruhim.

Os coletores de sementes decidem os preços do produto a partir de oficinas comunitárias. “Isso é um exemplo muito prático de como há possibilidades associadas à cadeia da restauração e de financiamento que podemos desenvolver em conjunto”, declarou Taruhim.

Governança do território

Ela explicou que a Araticum participa dessa governança do território e é uma plataforma multi-atores que tem a participação de 140 instituições para alavancar a restauração de 2 milhões de hectares no Cerrado. Uma ferramenta pública de transparência disponibilizada pela organização que mapeou 15 mil hectares de restauração do Cerrado em 9 estados, destacando-as como modelos demonstrativos, a fim de estimular a expansão de ações de restauração em larga escala.

“A Araticum tem uma estratégia de apoio às instituições que estão no território por meio de sua profissionalização. Com isso, alavancarmos um movimento de restauração que seja auto-sustentável. Ajudamos a estruturar e apoiar os projetos dos associados, para os quais já alavancamos aproximadamente  R$ 10 milhões para projetos de restauração do Cerrado. Trabalhamos também com o monitoramento dos resultados – que é um fator essencial para a obtenção de fundos e financiamento”, salientou ela. A plataforma pública de monitoramento da Araticum já conta com mais de 15 mil hectares que estão em processo de restauração.

A instituição também publicou um guia de financiamento para o Cerrado, para mostrar aos investidores que a restauração não se resume a recuperar certo número de hectares ou plantar árvores. “Precisamos ter componentes sociais, econômicos e de biodiversidade. Precisamos de fundos catalisadores no Cerrado e em todos os biomas da América Latina, e que haja espaço para fundos públicos, privados e de filantropia, para que todos possamos olhar juntos para estratégias de restauração a fim de cumprirmos nossas metas”, concluiu Taruhim.

Valor da natureza

Victoria Rachmaninoff, gerente de Biodiversidade e diretora de Monitoramento de Paisagens da Iniciativa 20×20 do WRI, destacou que é preciso compreender e divulgar o verdadeiro valor da natureza para que seja possível desenvolver soluções inovadoras de financiamento da restauração de ecossistemas – e também comentou a importância social dessas iniciativas.

“O tema do financiamento para a biodiversidade tem sido um dos mais difíceis desta COP. Quando falamos dele, temos que destacar o verdadeiro valor da natureza. Além de seu valor intrínseco, a natureza também tem um valor econômico importante: 50% do PIB mundial depende dela. Agora que vivemos em um mundo em transformação, com o clima mudando em velocidade nunca vista, a natureza também é fundamental para nos ajudar na adaptação a essa nova realidade”, frisou Victoria.

“Quando pensamos em restauração, podemos pensar em soluções que não apenas apoiem a natureza, mas também em intervenções que possam ajudar a reconectar espaços para polinizadores, melhorar a saúde dos solos e muito mais. Mas a restauração também é fundamental para nossas vidas, a fim de alimentar comunidades, assegurar seu acesso à água, prevenir inundações e criar resiliência. A restauração pode nos ajudar a concretizar a ideia de paz com a natureza”, disse Victoria.

Iniciativa 20×20

Para fazer isso, segundo ela, é preciso começar a entender o valor real da natureza e incluir esse valor nos cálculos. “É preciso ter em mente o risco de não proteger a natureza. É preciso mudar a dinâmica dos incentivos perversos que degradam a  natureza e criar incentivos que façam parte da solução. Na iniciativa 20×20, estamos também trabalhando com isso – em nossos programas de políticas e monitoramento – junto aos países que fazem parte dela”.

A Iniciativa 20×20, representada por Victoria no evento, foi lançada formalmente na COP20 do Clima, realizada em Lima, no Peru, em 2014, e apoia o Desafio de Bonn, que previa a restauração de 150 milhões de hectares de terras degradadas até 2020 em todo o mundo. Inicialmente, a Iniciativa 20×20 previa a restauração de 20 milhões de hectares na América Latina e no Caribe até 2020. Hoje, o objetivo é a restauração de 50 milhões de hectares até 2030.

Em 2021, um balanço da iniciativa apontou que, até aquela data, parceiros da iniciativa privada, de governos nacionais e governos subnacionais da América Latina haviam conservado e restaurado cerca de 22,6 milhões de hectares de florestas e paisagens no continente por meio de 135 projetos.

Restauração na Colômbia

Clara Solano, diretora-executiva da Fundação Natura, que faz parte da Iniciativa 20×20 na Colômbia, contou que, desde a década de 1990, o país vem colocando os esforços de restauração de ecossistemas em primeiro plano. Os governos nacionais, com apoio de organizações regionais, começaram a implementar políticas e projetos de boas práticas florestais entre 1998 e 2005, concretizando em 2015 um Plano Nacional de Restauração.

“As universidades e organizações não-governamentais haviam revolucionado o conceito de restauração e foram convocadas a fazer os primeiros exercícios de restauração no país. A partir daí, a Colômbia entrou plenamente nessa rota, não apenas desenvolvendo a recuperação de solos e áreas pontuais, mas falando de maneira contundente na restauração de ecossistemas. Os diferentes governos fizeram a leitura de que havia necessidade de desenvolver políticas com enfoque na restauração”, contou Clara.

Segundo ela, no governo de Iván Duque, que precedeu o atual presidente Gustavo Petro, foi proposto o Marco Nacional de Restauração, e a estratégia nacional se consolidou com uma meta de plantio de 180 milhões de árvores na Colômbia. “As árvores não são uma métrica que demonstram que há processos de restauração, mas a proposta exigiu um esforço para obtenção de recursos que vinculou o sistema privado e público de financiamento de forma muito positiva”, declarou.

Mudanças conceituais

Atualmente, de acordo com Clara, o governo propôs uma métrica que não se baseia apenas em número de árvores, mas no conceito de hectares restaurados por hectares em processo de restauração. “Isso foi muito importante do ponto de vista conceitual, porque leva em conta os acordos sociais que precisam ser desenvolvidos para dar escala aos processos de restauração. São muitos os desafios para o financiamento e a partir desse aprimoramento conceitual o governo fez um exercício de constituição de um Fundo para a Vida e a Biodiversidade”, ponderou.

A principal fonte desse fundo são recursos próprios do governo, a partir de um “imposto do carbono” existente na Colômbia. “O fundo tem um foco muito importante na agrobiodiversidade. Há um esforço para usar recursos próprios, mas também é importante destacar os investimentos do setor privado. Temos projetos de restauração de 10, 15 e 20 anos, com compromissos financeiros do setor privado. Há muitos desafios, é claro, relacionados à governança, financiamento, monitoramento e ganho de escala, mas a iniciativa tem um impacto importante, está em processo de obtenção de resultados”, acrescentou.

Esses esforços evidenciam que existem exemplos de sucesso e que diversas lições aprendidas podem apoiar o avanço do financiamento em larga escala para a restauração. Na COP16, acordos cruciais para finanças e o fundo de biodiversidade para implementação do Marco Global de Biodiversidade foram tratados, mas com decisões postergadas. A restauração é temática chave para a implementação do Marco Global e pode funcionar como uma ferramenta de mobilização de recursos financeiros de maneira estruturada e conectada a esforços práticos e locais, como o caso no Cerrado. Além disso, pode garantir a integração efetiva e inclusiva entre compromissos das partes para as convenções do Clima, Biodiversidade e Desertificação. Por isso, há urgência de estruturação e alavancamento de finanças para restauração e movimentos coletivos como a Iniciativa 20×20 e a Araticum podem ser cruciais.

Fonte:  WWF-Brasil

2024-11-11T10:13:32-03:00

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