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O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Margem Nacional de apreciação: tendências da corte Europeia

O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Margem Nacional de apreciação: tendências da corte Europeia

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Cadernos do Programa de Pós-Graduação – Direito / UFRGS – 2016

THE INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LAW AND THE NATIONAL MARGIN OF APPRECIATION: TRENDS IN EUROPEAN COURT

 

Samyra H. Dal Farra Naspolini*

Vladmir Oliveira da Silveira**

RESUMO: O presente artigo objetiva o estudo da chamada Margem Nacional de Apreciação, como meio de solução de conflitos de interpretação sobre Direitos Humanos, utilizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. A problemática com a qual trabalha é a de que, dadas às situações, conforme os casos apresentados, de conflito entre a Corte Europeia e algum Estado Membro da União Europeia sobre a forma de aplicação de normas de Direitos Humanos, seria a Margem Nacional de Apreciação uma opção adequada para resolver esse conflito de interpretação? A opção é polêmica e recebe várias críticas importantes, inclusive de juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos que conclamam pelo uso cauteloso de tal teoria. A partir de dois casos nos quais a Corte Europeia se refere à Margem Nacional de Apreciação, em um para dizer que ela se aplica e em outro para dizer que não, desenvolver-se-á um estudo sobre os principais conceitos implicados para a compreensão dos casos e ao fim se abordará a teoria com a finalidade de compreender a mesma e verificar os seus aspectos positivos e negativos. Estuda-se, também, na estrutura do artigo o Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos, as particularidades na interpretação das normas protetoras de Direitos Humanos e por fim a Jurisdição e a Teoria da Margem de Apreciação. Na conclusão observa-se que tal teoria deve ser utilizada com muito cuidado para que não se relativize e flexibilize as normas de jus cogens internacional de Direitos Humanos, possibilitando aos Estados Membros doses importantes de subjetivismo e arbitrariedade. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, desenvolvido com base na pesquisa bibliográfica e histórica para qual se utilizará do método indutivo.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional dos Direitos Humanos. Corte Europeia de Direitos Humanos. Margem Nacional de Apreciação. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

ABSTRACT: This paper aims to study the so-called National Margin of Appreciation, as a means of interpretation of conflict resolution on Human Rights, used by the European Court of Human Rights. The problem faced, given the circumstances of the cases herein presented, is the conflicts between the European Court and some European Union Member State on how to apply human rights laws: would the National Margin of Appreciation be an appropriate option to solve this conflict of interpretation? The option is controversial and is subjected to several important criticisms, including from judges of the Inter-American Court of Human Rights, which call for caution on the use of such theory. Based on two cases in which the European Court referred different applications to the National Margin of Appreciation, the main concepts involved in cases and the theory they addressed were studied, in order to understand it and verify its positive and negative aspects. The Regional System of Human Rights Protection was also studied in this paper, manly the interpretation of protective laws of human rights, jurisdiction issues and the Theory of Margin of Appreciation. In conclusion, it may be observed that such a theory should be used very carefully, in order to not turn human rights law more flexible and relative, what would enable the subjectivism and arbitrariness of States Members. This paper is a descriptive study, developed based on literature and historical research, through the use of inductive reasoning.

KEYWORDS: International Law of Human Rights. European Court of Human Rights. National Margin of Appreciation. Inter-American Court of Human Rights.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Os casos em tela. 2 O Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos. 3 A Interpretação das Normas Protetoras de Direitos Humanos. 4 Jurisdição e a Teoria da Margem Nacional de Apreciação. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O presente artigo possui por objeto de estudo a Margem Nacional de Apreciação, como meio de solução de conflitos de interpretação sobre Direitos Humanos, utilizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

Para compreensão dos principais conceitos implicados nos casos estudados, serão necessários alguns estudos preliminares para se chegar à Margem Nacional de Apreciação.

A problemática com a qual trabalha é a de que, dadas às situações, conforme os casos apresentados, de conflito entre a Corte Europeia e algum Estado-membro da União Europeia sobre a forma de aplicação de normas de Direitos Humanos, seria a Margem Nacional de Apreciação uma opção adequada para resolver esse conflito de interpretação?

Na encruzilhada entre fazer valer as normas contidas na Convenção Europeia de Direito Humanos com pretensão universal e respeitar culturas próprias dos Estados-membros, principalmente quando se trata de condutas que invocam apreciações morais, a Corte Europeia tem lançado mão de uma teoria denominada Margem Nacional de Apreciação, na   81 qual a Corte limita a sua jurisdição e atribui certa discricionariedade para o Estado decidir a questão. A opção é polêmica e recebe várias críticas importantes, inclusive de juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem optado: (i) pelo não uso ou (ii) pelo uso muito cauteloso de tal teoria.

A partir de dois casos nos quais a Corte Europeia se refere à Margem Nacional de Apreciação, em um para dizer que ela se aplica e em outro para dizer que não, desenvolver- se-á um estudo sobre os principais conceitos implicados para a compreensão dos casos e, ao fim, abordar-se-á a teoria com a finalidade de compreendê-la e verificar os seus aspectos positivos e negativos.

Na conclusão recuperar-se-á a problemática da pesquisa para verificar se mesma restará resolvida. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica e histórica para qual se utilizará do método de estudo de casos aliado ao método indutivo.

1 OS CASOS EM TELA

Conforme a metodologia do estudo de caso, serão apresentados dois casos com decisões polêmicas da Corte Europeia de Direitos Humanos (“CEDH”) e, na sequência, serão investigados alguns conceitos fundamentais para a compreensão dos casos em tela.

No caso Hirst v. The United Kingdom, a CEDH proferiu decisão importante sobre a questão do voto dos presos. No Reino Unido, em decorrência do Representation of the People Act 1983, nenhuma pessoa que estivesse presa, condenada ou em prisão provisória podia votar enquanto durasse a sua pena. John Hirst, após ter seu caso julgado sem mérito pelas cortes britânicas, apelou para a CEDH, em 2001. Em 2005, a CEDH considerou que a proibição, que na época atingia 48 mil presos, feria a garantia de eleições livres no país. Frise-se que o que a CEDH decidiu é que a proibição não pode ser generalizada e que o país ao impedir que todos os condenados presos votassem estava a infringir o artigo 3º, do Protocolo nº 1 da Convenção

Europeia de Direitos Humanos, que estabelece a obrigação dos Estados-membros de realizar  82 eleições livres em intervalos razoáveis por meio do voto secreto, em sufrágio universal, sob a condição de assegurarem o direito fundamental da livre expressão de opinião das pessoas na escolha dos seus representantes.

Por outro lado, a CEDH entendeu, no caso A, B e C v. Ireland, em 16 de dezembro de 2010, que o aborto não é um direito fundamental da mulher irlandesa de acordo com a Convenção Europeia de Direitos Humanos e que a Irlanda está livre para proibir a interrupção da gravidez, tendo em vista tratar-se de uma questão interna corporis. Neste caso, três mulheres que moram na Irlanda recorreram à CEDH apontando a violação dos seus direitos, em especial, o direito à privacidade, uma vez que, tendo uma gravidez indesejada, e, por conta da proibição da legislação irlandesa, tiveram de fazer o aborto no Reino Unido, onde é permitido. A decisão não foi unânime. Dos 17 juízes da Câmara Principal de julgamentos da CEDH, seis consideraram que deveria ser levado em conta o consenso que existe em quase todos os países da Europa de que o aborto é aceitável, porém, considerou-se que a Irlanda pode proibi-lo, uma vez que não configura direito fundamental da mulher irlandesa.

Apresentados, resumidamente, os casos que servirão de base para o estudo da Margem de Apreciação, passar-se-á a expor alguns conceitos básicos atinentes à matéria para que se possam compreender os fundamentos das decisões proferidas.

2 O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Com o fim da Segunda Guerra Mundial inicia-se o processo de universalização e internacionalização dos Direitos Humanos, uma vez que se tornaram uma legítima preocupação internacional, encerrando-se um período no qual perdurou a concepção de que a forma como o Estado tratava seu povo era concebida como um problema de jurisdição exclusivamente doméstica devido à soberania. Ao contrário, a relação do Estado com os seus nacionais passou a ser uma problemática internacional. (TRINDADE, 2003).

Assim se inaugura outra dimensão dos Direitos Humanos, a terceira, que trará uma nova concepção para esses direitos1. Ao mesmo tempo sintetizando e superando os direitos de primeira e segunda dimensão, ou seja, os individuais de liberdade e os sociais de igualdade, a terceira dimensão traz a ideia de direitos de solidariedade, cujo sujeito é difuso.

Assim, os direitos de solidariedade expressam-se como direito à paz, meio ambiente sadio, autodeterminação dos povos e desenvolvimento econômico. Em um mundo globalizado  83 e em um contexto econômico de capitalismo avançado há um número cada vez maior de situações e condutas humanas que exigem do Estado ações de proteção e de prestação, inclusive de complementariedade. Esse novo Estado, palco dos direitos de solidariedade, é definido como Estado Constitucional Cooperativo2, que substitui o Estado Nação, uma vez que alia o direito constitucional interno com o direito internacional, visando a cooperação no sentido da concretização dos direitos humanos. Portanto os direitos de solidariedade, não só relativizam a soberania dos Estados, mas os comprometem com a pauta de direitos humanos (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 177).

O processo de universalização e internacionalização dos Direitos Humanos trouxe a necessidade de implementação desses mediante a criação de um Sistema Internacional de Proteção, monitoramento e controle, o qual foi dividido em Sistema Global de Proteção e Sistema Regional de Proteção, complementares e indivisíveis. Esses não substituem os tribunais internos e não são tribunais de recurso ou cassação; ao contrário, trata-se de direito complementar ao direito nacional. O Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos e a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária; porém, os atos internos dos Estados podem vir a ser objeto de exame dos tribunais internacionais (PIOVESAN, 2008).

Tal entendimento pode ser encontrado, entre outros julgados, no julgamento paradigmático da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH”) no Caso Lund e outros versus Brasil (Guerrilha do Araguaia) quando afirmou que o julgamento quanto à violação ou não, pelo Estado, de suas obrigações internacionais, é sim de sua competência, podendo revisar, inclusive, as decisões de tribunais superiores, para estabelecer sua  84 compatibilidade com a Convenção Americana 3.

O Sistema Global de Proteção é composto pela Carta das Nações Unidas de 1945, integrada, posteriormente, pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e pelos dois Pactos Internacionais de 1966: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos os Pactos possuem como principal objetivo dar concretude aos direitos já consagrados na Declaração Universal, “atribuindo-lhes valor jurídico na acepção positivista – o que os tornaria obrigatórios. No mesmo sentido, criou vinculações para os Estados-partes, abrindo a possibilidade de responsabilizá-los no plano internacional por atos atentatórios aos direitos humanos” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 158).

Por sua vez, os Sistemas Regionais buscam internacionalizar os Direitos Humanos no plano regional. Enquanto o Sistema Global fornece um parâmetro normativo mínimo, o regional deve ir além, buscando concretizar os direitos já existentes e adicionar novos, tudo isso se levando em consideração às diferenças entre as regiões. Atualmente a Europa, a América e a África já possuem aparato jurídico próprio (PIOVESAN, 2007).

Ao presente estudo, interessa especificamente a CEDH, na medida em que foi a CEDH que proferiu as decisões aqui estudadas.

A CEDH tem por função básica proteger e dar efetividade a Convenção Europeia de Direitos Humanos, assinada inicialmente em 1950 e hoje agregando 47 países, sendo os 27 Estados-membros da União Europeia, além de outros 20, como a Rússia, Ucrânia, Noruega, Mônaco e Azerbaijão, bem como 06 Estados observadores, como os Estados Unidos, Canadá, Japão e Israel 4.

Importante pontuar, que a CEDH é a única dentre os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos que aceita petição individual (nos termos do artigo 39 do Regulamento da CEDH), sendo que as denúncias podem ser feitas diretamente à CEDH, sem a necessidade de se passar previamente por uma Comissão, como é o caso Americano e Africano.

 

3 A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROTETORAS DE DIREITOS HUMANOS

85 É importante frisar que ainda que as normas de Direitos Humanos possuam uma metodologia própria de interpretação, quando se valem de Tratados Internacionais de Direitos Humanos, devem obedecer à regra geral de interpretação prevista no chamado Tratado dos Tratados, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (“Convenção de Viena”), que estabelece em seu artigo 31, item 1, que devem ser interpretados “de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”. Ato contínuo, o item 3 do referido artigo prescreve que “serão levados em consideração, juntamente com o contexto: a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pelo qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes”

A regra geral enunciada pela Convenção de Viena traz em seu bojo o princípio da efetividade, que remete à chamada interpretação teleológica, ou seja, uma interpretação com ênfase na realização do objeto e do propósito dos tratados de Direitos Humanos levará certamente a uma proteção mais eficaz destes direitos (TRINDADE, 2003, p. 32).

A interpretação das normas protetivas dos Direitos Humanos também deve obedecer específicas regras e princípios, por exemplo, e principalmente, devido à característica de indivisibilidade dos Direitos Humanos a interpretação sempre deve ser integrada, utilizando- se, portanto, toda a sua base instrumental.

Também não se pode perder de vista que seja no âmbito internacional, seja no âmbito regional ou interno, a dignidade da pessoa humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo de proteção dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2008).

Importante salientar que a interpretação das normas de Direitos Humanos se dá de forma a buscar uma convergência jurisprudencial entre tribunais internacionais, utilizando-se do método comparativo que respeita as autonomias, mas visa sempre o princípio da máxima proteção à pessoa humana (vítima). Dessa forma, se obtém uma interpretação evolutiva que permite grande avanço jurisprudencial nesta área.

Nesse sentido, se a coexistência de distintos instrumentos jurídicos levar a “conflitos” devido à garantia de um mesmo direito, deve-se levar em conta na interpretação e na   86 aplicação o princípio da primazia é da norma mais favorável à vítima, para solucionar a aparente antinomia.

4 JURISDIÇÃO E A TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO

A competência da CEDH está prevista no artigo 32 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, o qual dispõe que esta “abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção e dos respectivos protocolos (…)”. Por outro lado, segundo o artigo 59, a Convenção Europeia de Direitos Humanos é válida para todos os Estados- membros do Conselho da Europa e que ratificaram a Convenção Europeia de Direitos Humanos, os 47 acima citados, bem como para todo o signatário que a ratifique ulteriormente, entrando em vigor no momento em que depositar o documento de ratificação.

No que se refere ao poder jurisdicional da CEDH e sua função de garantia e proteção dos direitos humanos, ela não atua imediatamente como um nível de proteção concorrente ao interno. Pelo contrário, age apenas nos casos de falha ou ausência de tutela por parte do direito interno. Portanto, pode-se dizer que os mecanismos internacionais de proteção se constituem em tutela supranacional complementar de atuação, na medida em que servem de ampliação e controle da jurisdição interna.

Como dito acima, o papel da CEDH é subsidiário, complementar aos Estados- membros na proteção dos direitos humanos, ainda que possua status supranacional. Neste sentido, é que a CEDH desenvolveu a teoria da Margem Nacional de Apreciação, limitando sua jurisdição em certos temas e deixando-os à discricionariedade dos Estados-membros. Assim, a CEDH entende que os Estados-membros, principalmente quando se referir a temas morais, possuem mais condições do que o juiz internacional para decidir (DINIZ, 2011, p.404).

A CEDH já utilizou essa teoria em vários casos, ainda que a mesma não se encontre prevista na Convenção Europeia de Direitos Humanos. De qualquer forma, os juízes da CEDH entendem que o art. 15, § 1º da Convenção conferiria às autoridades nacionais essa margem de apreciação5.

O método de aplicação da margem nacional de apreciação, com base no citado artigo, funciona da seguinte forma: inicialmente a CEDH verifica se houve por parte do Estado-membro uma interferência no direito de um seu cidadão. Em caso positivo, verifica-se   87 a legitimidade do objetivo perseguido pelo Estado e a proporcionalidade da restrição, a partir do questionamento de se o objetivo poderia ter sido atingido por meio menos restritivo e se o prejuízo causado ao detentor do direito supera qualquer benefício que a interferência venha trazer na busca de seu objetivo.

Essa teoria apresenta-se como a saída encontrada pela CEDH para enfrentar um antigo problema dos Direitos Humanos, ou seja, a questão da universalidade versus a diversidade cultural. Tendo a interpretação das normas de Direitos Humanos importância na sua aplicação, haja vista que as normas de Direitos Humanos precisam ser interpretadas progressivamente, a CEDH entende que a margem de apreciação lhe permite conjugar a universalidade dos Direitos Humanos com as especificidades culturais, principalmente em uma Corte tão abrangente e com tanta diversidade.

Os juízes da CEDH, defensores dessa teoria afirmam que a mesma concilia a questão da soberania dos Estados e a interferência da CEDH quando se tratar de violação aos Direitos Humanos, uma vez que limita a jurisdição da CEDH deixando certas áreas à discricionariedade dos Estados-membros. Por outro lado, críticos como Delmas-Marty entendem que ela se revela um empecilho à universalização e delega ao juízo doméstico questões de competência internacional e enfraquece os ideais de igualdade e democracia na União Europeia (CORRÊA, 2013, pp. 267-268).

Realmente, é necessário que se reflita se a margem nacional de apreciação não tem contribuído para uma aplicação não uniforme e até mesmo relativa e flexibilizada de direitos consagrados na normativa internacional, dando a ideia de que essas normas não possuem caráter obrigatório. Por esses motivos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH”) na Opinião Consultiva n° 4/84 demonstra preocupação com o uso da margem de apreciação e adverte que a discricionariedade dada aos Estados corre o risco de levar a julgamentos subjetivos e arbitrários. Assim, a CIDH pouco tem desenvolvido e aplicado esse método.

Nos casos apresentados acima, a CEDH conferiu a margem nacional de apreciação para a Irlanda, entendendo que o aborto não é um direito fundamental da mulher irlandesa, tendo, portanto, a Irlanda o direito de proibi-lo, ao passo que entendeu que o voto é sim um direito

fundamental do cidadão e não pode ser, no caso Britânico, negado ao preso. Parece que nesses 88 casos é mais fácil discernir os motivos das decisões da CEDH; porém, fica o alerta para o cuidado com o uso indiscriminado da margem nacional de apreciação, haja vista a obrigatoriedade das normas de direito internacional dos direitos humanos.

 

 

CONCLUSÃO

O processo de universalização e internacionalização dos Direitos Humanos, iniciado após a segunda guerra mundial trouxe a necessidade de implementação desses mediante a criação de um Sistema Internacional de Proteção, monitoramento e controle, o qual foi dividido em Sistema Global de Proteção e Sistema Regional de Proteção, complementares e indivisíveis esses não substituem os tribunais internos e não são tribunais de recurso ou cassação. Ao contrário, trata-se de direito complementar ao direito nacional. O Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos e a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária, porém os atos internos dos Estados podem vir a ser objeto de exame das Cortes Internacionais.

A CEDH, primeiro Sistema Regional de Proteção instalado, tem por função básica proteger e dar efetividade a Convenção Europeia de Direitos Humanos, observando os princípios básicos e específicos que regem as formas de interpretação dessas normas.

Neste sentido, desenvolveu a Teoria da Margem Nacional de Apreciação, limitando sua jurisdição em certos temas e deixando-os à discricionariedade dos Estados-membros, principalmente quando se referir a temas que impliquem em julgamentos morais.

Os juízes da CEDH, defensores dessa teoria afirmam que a mesma concilia a questão da soberania dos Estados e a interferência da CEDH deixando certas áreas à discricionariedade dos Estados-membros. Por outro lado, entendem ser a saída encontrada para enfrentar a questão da universalidade versus a diversidade cultural.

Nos casos estudados, os critérios para a concessão da discricionariedade para a Irlanda e a não concessão para o Reino Unido ficaram suficientemente esclarecidos, porém é necessária muita cautela para que não ocorra uma aplicação não uniforme e até mesmo relativa e flexibilizada de direitos consagrados na normativa internacional, dando a ideia de que essas normas não possuem caráter obrigatório.

NOTAS

* Professora e Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito e do Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e da Universidade de Marília (UNIMAR).

** Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor e Diretor do Centro de Pesquisa em Direito e do Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ex Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI).

1 Nos dizeres de Alenilton da Silva Cardoso: “Pelo processo dinamogênico, os direitos fundamentais, que na ideologia da primeira dimensão fundamentava-se na liberdade e na ideia de justiça comutativa, avançaram, na segunda dimensão, para o estabelecimento da igualdade e da justiça distributiva, chegando hoje a uma perspectiva altamente diferenciada, mas somadas àquelas das dimensões anteriores, desta vez focada na justiça social, que busca garantir ao gênero humano o direito a um ambiente justo e propício ao desenvolvimento pleno de todos, notadamente do futuro da humanidade” (CARDOSO, Alenilton da Silva. O Problema Social da Indiferença o Contexto Ético da Solidariedade. In: CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio; SANTIAGO, Mariana Ribeiro. Capitalismo Humanista e Direitos Humanos. Conceito Editorial: Florianópolis, 2013, p. 130-131).

2 Segundo Häberle o Estado Constitucional Cooperativo “é o Estado que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na garantia da cooperação e responsabilização internacional assim como no campo da solidariedade. Ele expressa, com isso, a necessidade internacional de políticas de paz” (HÄBERLE, 2007, p. 4).

3 Sentença disponível em: <http://www.corteidh.or.cr>. Acesso em: 18 jan. 2016.

5 CONVENÇÃO Europeia de Direitos Humanos. Art. 15 § 1º. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional.

 

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